Um dos momentos mais simples e belos já capturados pelas lentes do cinema nasceu da resistência corajosa de Charles Chaplin. O público aguardava ansiosamente novos contatos com aquela mágica que dava voz aos seus ídolos.

O silêncio estava fora de moda, ultrapassado, um brinquedo quebrado que não divertia mais ninguém. Os estúdios não investiam mais naquela forma de arte. Chaplin pensava de forma diferente, pois acreditava não haver melhor forma de transmitir suas mensagens.

Ele estava passando por um período muito complicado em sua vida pessoal, onde após o falecimento de sua mãe e um conturbado divórcio, estava devendo impostos e tendo sua imagem manchada por tabloides com reportagens que exploravam seus casos amorosos. Desesperado, ele chegou a pensar em se aposentar.

Colegas viravam as costas, investidores não o recebiam. O jovem gênio então decidiu se responsabilizar sozinho por este projeto, em que depositava suas esperanças e, caso desse errado, seria seu testamento cinematográfico. Investindo dinheiro do próprio bolso, iniciou as filmagens de “Luzes da Cidade” (City Lights – 1931).

Na produção, que se estendia por mais tempo que todos os seus projetos anteriores (no total foram dezoito meses), Chaplin forçou-se aos limites de sua resistência, tornando-se emocionalmente instável, com intermitentes crises de ansiedade.

Com forte temperamento, seu relacionamento com a equipe mostrava sinais de exaustão, ocasionando atrasos e demissões, inclusive da protagonista Virginia Cherrill, que viria a ser admitida novamente. Em setembro de 1930, após longos seis dias de filmagem, o jovem diretor conseguiu ficar satisfeito com a cena final da obra, o singelo momento que ele viria a afirmar ser seu favorito em toda sua carreira.

Após o generoso vagabundo tentar, de todas as formas possíveis, reunir a verba necessária para pagar o tratamento médico da jovem florista cega, ele continua projetando uma sombra descartável na paisagem da rua em que caminha trôpego. Os garotos debocham de suas roupas rasgadas, procurando humilhá-lo ainda mais. Ele não revida, apenas segue em sua resignação. No asfalto, uma rosa atrai sua atenção. Pelo espelho da loja em frente, uma bela mulher sorri do infortúnio daquele estranho maltrapilho.

O pobre homem se vira e encontra naquele sorriso o rosto de sua querida amiga, que obviamente não o reconhece. Em seu olhar triste, um relance de vergonha, rapidamente substituído pela alegria de perceber que ela o enxergava. A jovem oferece-lhe então uma rosa e uma moeda. Ao vê-la levantar e caminhar ao seu encontro, o pobre vagabundo se desespera e tenta fugir. Bastou o toque da mão dela, ao posicionar a moeda no centro da mão dele, para que ela descobrisse naquele homem sujo o galante cavalheiro que ela outrora imaginava. Como se quisesse se esconder por trás da rosa, o vagabundo encara sua musa.

A única coisa que ele diz é: “Você pode enxergar agora?”. Saber que seus esforços não foram em vão, com absoluta certeza, faz valer a vergonha que ele sente por perceber, na triste ternura dos olhos dela, que não é o príncipe encantado que a jovem esperava. Mesmo assim, ainda a tentar se esconder por trás da rosa, ele sorri por ela, enquanto as lágrimas se principiam em seus olhos, por ele.



Viva você também este sonho...

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