Críticas

“A Gaiola das Loucas” (1978), de Édouard Molinaro

A Gaiola das Loucas (La Cage Aux Folles – 1978)

Eu me recordo de uma época, quando eu era criança, em que este filme era exibido com frequência na primeira madrugada de cada ano na Rede Globo. Mas não foi assim que eu conheci a obra dirigida por Édouard Molinaro. A minha mãe tinha alugado o VHS, dizia que era hilário, então acabei vendo. A capa era esquisita, parecia atraente para crianças, já que era toda desenhada, mas eu me lembro de ter achado estranho o homem de bigode vestido de mulher. Só fui realmente entender o humor espetacular da trama ao rever já adolescente.

O roteiro esconde por trás de uma agradável leveza, captada com brilhantismo pela trilha sonora de Ennio Morricone, um ríspido dedo apontado na cara da sociedade, criticando a hipocrisia das noções convencionais de moralidade, representadas pelo personagem vivido por Michel Galabru, chocado por ter que fugir da imprensa para não responder aos escândalos do presidente da União da Ordem Moral, envolvido em um caso de adultério com uma menor de idade.

O senador vive uma relação fria com sua esposa, quase não trocam olhares, enquanto o casal vivido por Ugo Tognazzi e Michel Serrault consegue cativar imediatamente o espectador com o carinho e o respeito que nutrem um pelo outro. O senador e sua esposa apenas se interessam em celebrar o casamento da filha como forma de desviar a atenção da imprensa, enquanto que os pais do rapaz estão dispostos a negar suas identidades por uma noite, transformando seu lar em um local irreconhecível para eles, apenas para assegurar a felicidade do filho.

A subversão corajosa já fica aparente na forma como a trama introduz o personagem do jovem filho de Renato (Tognazzi), fazendo o público crer, a princípio, que se tratava de uma válvula de escape romântico para o dono da boate, já que Albin (Serrault) havia estabelecido numa discussão anterior a sua crise de meia-idade. Quando o jovem avisa que irá se casar, o roteiro novamente inverte a expectativa do público ao mostrar a reação desgostosa de seus pais ao fato de que ele estava apaixonado por uma mulher.

E é interessante perceber que o rapaz é mostrado como alguém extremamente educado, sensível, de fala mansa, um ser humano muito mais digno, tendo sido criado em um ambiente exótico de nightclub, do que a mãe que o abandonou, uma profissional respeitada na sociedade, de fachada séria, mas de caráter torto.

Outro fator interessante é a cena de apresentação do hilário empregado do casal, um negro extremamente afeminado, incapaz de usar sapatos, em pleno auge do cinema blaxploitation.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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