Fragmentado (Split – 2016)

Os últimos segundos do filme transformam o que era até aquele momento um bom suspense, eficiente e acima da média em diversos aspectos, em uma épica e surpreendente proposta de construção de universo cinematográfico.

O recurso banalizado atualmente em produções direcionadas ao público infanto-juvenil, fórmula desgastada, recebe uma injeção de adrenalina no peito. Sem estragar a experiência, afirmo que M. Night Shyamalan encontrou novamente o caminho autoral, após mais de uma década desperdiçada em bobagens mainstream como “Fim dos Tempos” e “Depois da Terra”.

O grande problema de sua persona como cineasta é ter incutido no espectador o desafio de representar um enigma a ser decifrado em cada obra, a existência obrigatória da reviravolta final prejudica a imersão e, invariavelmente, faz qualquer solução do roteiro ser menos interessante que as mil possibilidades que nós, detetives informais na sala escura, ficamos conjecturando no decorrer da trama.

Não há nada pior no cinema que a expectativa, exatamente por isso Hitchcock inseria sua aparição em cena logo nos primeiros momentos de seus filmes, evitando assim que o público deixasse de prestar atenção na história para ficar buscando ele na tela.

O roteiro brinca, de certa forma, com a comparação estabelecida a partir de “O Sexto Sentido” entre o indiano naturalizado estadunidense e o mestre britânico, “Psicose” e a dupla personalidade de Norman Bates, referências óbvias, apesar de James McAvoy ser um ator muito mais competente que o saudoso Anthony Perkins. É impressionante como ele consegue abraçar várias identidades emocionalmente antagônicas em uma mesma tomada, sem o auxílio de vestuário, maquiagem ou objetos de cena, as linhas do rosto insinuam, em questão de segundos, a personalidade dominante.

Anya Taylor-Joy, um dos grandes méritos do recente “A Bruxa”, entrega vulnerabilidade e resiliência na mesma medida, algo difícil quando suas motivações são gradualmente reveladas. Ela vive uma das três adolescentes que são capturadas pelo perturbado protagonista, numa espécie de variação do tema da preservação da pureza trabalhado no livro “O Colecionador”, de John Fowles, e, posteriormente, na adaptação dirigida por William Wyler em 1965.

O seu envolvimento potencializa o importante elemento de fábula, que, felizmente, evita rompantes demagógicos na conclusão de seu arco narrativo, uma opção que merece ser salientada.

Com “Fragmentado”, Shyamalan volta a ser relevante na indústria após um longo inverno.



Viva você também este sonho...

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