1 – Roma, de Alfonso Cuarón

Ao término da sessão, eu estava completamente imerso nesta belíssima declaração de amor do roteirista/diretor mexicano Alfonso Cuarón à Libo, a empregada doméstica que cuidou dele na infância. “Roma”, que leva o nome do bairro em que ele morava, é um retrato sincero, pessoal e afetuoso de pessoas que, assim como os aviões que são captados com frequência nos céus, compartilham tragédias transitórias. Ele evita uma representação maniqueísta e simplista no relacionamento entre patrões e empregados, a jovem Cleo, vivida com extrema competência por Yalitza Aparicio, recebe frequentemente o carinho das crianças e dos adultos na casa, ela não é desrespeitada pela família que a contratou, mas, sim, por elementos externos, como o patético praticante de artes marciais que abusa de sua ingenuidade. O preconceito não nasce dos mais abastados financeiramente, mas, sim, daqueles indivíduos menos favorecidos, marginalizados…

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2 – Projeto Flórida (The Florida Project), de Sean Baker

O cenário é tomado por vítimas da imobilidade social, com destaque para a encantadora e talentosa pequena Brooklynn Prince, que vive Moone, acostumada a rondar pela região extravasando o desejo por liberdade, apesar de morar no confinamento de um motel barato na beira da rodovia de Orlando, o choque de realidade que vislumbra no horizonte o universo mágico artificial do parque de diversões mais famoso do mundo. A mãe, típico retrato da juventude perdida com a maternidade indesejada, o cabelo colorido, a atitude irresponsável, tatuagens pelo corpo evidenciando o desejo de se destacar de alguma forma na multidão, porém, amorosa. Os pais, compartilhando a dificuldade para pagar os trocados por noite, lutam para manter a dignidade, evitando transmitir aos filhos o escopo do sofrimento em suas rotinas diárias…

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3 – Feliz Como Lázaro (Lazzaro Felice), de Alice Rohrwacher

Há uma sequência poderosa em sua metáfora que sintetiza a beleza do filme. O grupo de personagens marginalizados adentra uma igreja, atitude que incomoda os religiosos que repetiam o ritual tradicional, envolvendo uma música tocada ao piano. Os escravos inseguros que utilizam a fé como muleta conseguem rapidamente expulsar aquelas pessoas do ambiente que para eles é sagrado. A música então abandona literalmente o órgão da igreja e acompanha os pobres pelas ruas, buscando a pureza que os dogmas destruíram ao longo das décadas…

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4 – Custódia (Jusqu’à la Garde), de Xavier Legrand

Só quem viveu na infância a desgraça de um lar em que os pais viviam brigando sabe como este transtorno deixa cicatrizes emocionais e psicológicas profundas pelo resto da vida. A criança é submetida a um nível de stress diário altíssimo (perceba como ela sequer encara os pais, completamente desorientada), sendo utilizada como peão no tabuleiro de ódio, especialmente pelo pai, que é totalmente desequilibrado, uma bomba-relógio. A mulher esconde o novo namorado, evita ao máximo qualquer contato com o ex-marido, mas sabe que jamais será livre. Ao aceitar um parceiro tóxico, sem notar os vários sinais de sua latente psicopatia, ela forjou sua própria gaiola e acabou colocando em risco real os próprios filhos. A violência doméstica é o leitmotiv da trama…

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5 – Buscando… (Searching), de Aneesh Chaganty

O roteiro evidencia toda a crueldade que é despertada quando situações como esta ganham espaço nas redes sociais, com gozações absurdas, memes de estranhos que culpabilizam o pai da jovem, desprezando o sofrimento que ele está sentindo, a ausência de empatia que domina o mundo moderno. Esta demonstração clara de hipocrisia tão atual encontra sua melhor representação na brilhante estrutura diegética, utilizando na narrativa apenas elementos inseridos organicamente na trama, o espectador “enxerga” tudo através de webcams, reportagens televisivas, registros em audiovisual nos notebooks, câmeras de segurança, conversas por IMessage, nunca desviando desta proposta extremamente complexa, conseguindo estabelecer alto grau de suspense sem apelar para as convenções formais do gênero…

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6 – O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer), de Yorgos Lanthimos

Utilizando códigos do horror, o roteiro prepara sua tese sobre a fragilidade da estrutura de um relacionamento calcado na hipocrisia, os planos abertos com profundidade de campo enfatizando o vazio dos rituais, a utilização constante de travellings que remete à Kubrick, o casal de classe alta, símbolos de segurança e competência na sociedade, com dois filhos adolescentes que são exemplos de boa conduta na escola, verniz de elegância que é perceptível na forma mecânica como o elenco dita o texto, característica em todos os projetos do diretor, como se repetissem algo memorizado há séculos e que já perdeu o sentido. No leito matrimonial, os corpos se entregam como feras abatidas, passivas, anestesiadas, inconscientes, desviando o olhar, potencializando a artificialidade do sentimento que foi acertado em contrato, porém, não existe…

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7 – Corpo e Alma (Testről és Lélekről), de Ildikó Enyedi

O roteiro evidencia a ternura no olhar dos animais, os cervos do sonho compartilhado, o gado sacrificado e os protagonistas, a fragilidade de vítimas que instintivamente reconhecem a aproximação da finitude e, por conseguinte, aprendem a lidar com o medo. A ideia da conexão pelo sonho agrega camada de fábula, motivo surreal que reforça a compreensão de uma sociedade que prima cada vez mais pela incomunicabilidade. A paz da floresta nevada onírica representa a fuga da realidade, a existência sem regras e cobranças sociais, a resposta está no ato de encarar a verdade e enfrentar o medo. Ao superarem este obstáculo no terceiro ato, a vitória está nos olhos que se encontram com cumplicidade passional, na mão que ampara carinhosamente a fragilidade do outro. Quando eles vencem o medo, o sonho perde razão de existir…

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8 – Hereditário (Hereditary), de Ari Aster

A proposta de Aster injeta na metáfora demoníaca a fragilidade de uma família ao atravessar o processo de luto, evidenciando aspecto menos otimista que o usual fortalecimento dos laços afetivos em tempo de crise, explorado em quase todo “final feliz” hollywoodiano. Na realidade, como explicitado em uma fala da mãe, vivida brilhantemente por Toni Collette, poucos aceitam as responsabilidades após eventos trágicos. O senso familiar acaba ruindo em pouco tempo, conduzindo todos ao desespero. É curioso perceber que a mãe artesanalmente recria situações do cotidiano em suas maquetes, leitmotiv da obra, a tentativa incansável de manter o controle de sua realidade, consciente de que ela se esvai por entre os dedos…

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9 – Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri), de Martin McDonagh

A metalinguagem trabalhada na cena do policial que debocha sobre a motivação de quase todos os filmes ser a morte de uma jovem, assim como a ideia reforçada no desfecho de que a omissão é, de fato, o real crime a ser confrontado, pontos que agregam ao conceito da insatisfação com o sistema. Não importa quem cometeu o crime, mas, sim, a passividade brutal dos habitantes da pequena cidade, seres sem empatia, que, ao invés de aplaudirem a atitude da mulher, demonstram revolta por sua força de espírito ter abalado a ilusória paz de seus dias. A coragem dela, sem que os próprios afetados percebam inicialmente, está operando modificações estruturais consideráveis, a resistência da leoa ferida faz com que todos, até mesmo o mais patético e intelectualmente limitado indivíduo, busquem ser melhores…

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10 – Canastra Suja, de Caio Sóh

Sem revelar muito e estragar a experiência, vale ressaltar que o roteiro aos poucos vai mostrando que, com exceção da filha caçula autista Rita, símbolo de pureza acidental, todos os participantes deste microcosmo são essencialmente cruéis, não por culpa do sistema, eles não são levados às atitudes doentias, a alegoria evidencia que é um comportamento natural. Os seres humanos são controlados pelas leis, pelos dogmas religiosos, por conceitos de ética e justiça, mas, em seu cerne, são selvagens como seus ancestrais…



Viva você também este sonho...

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