Críticas

“Amadeus”, a obra-prima de Milos Forman

Amadeus (1984)

Como se esquecer de “Amadeus”, de Milos Forman? Nunca o cinema criou algo tão eficiente sobre o poder autodestrutivo da inveja e a beleza imortal do talento.

O Antonio Salieri (F. Murray Abraham) representado na peça teatral de Peter Shaffer e no filme era comum, mundano, compunha com muito esforço os melhores trabalhos que poderia fazer. Abnegado, precisou esperar o falecimento do pai, que se opunha aos seus objetivos, para poder iniciar seus estudos musicais em Viena. Creditava ao divino sua inspiração, chegando a escolher viver uma vida solitária, tal qual um padre que rejeita o amor em favorecimento a uma graça superior.

Como compositor oficial da corte do Arquiduque da Áustria, recebia a admiração de seus colegas e sentia como se não houvesse nenhum obstáculo entre o divino e as melodias que suas mãos invocavam ao piano. As suas crenças se partiram ao som da gargalhada irrepreensível do jovem Wolfgang Amadeus Mozart (Tom Hulce).

Mozart exalava jovialidade e a liberdade contagiante de alguém que vivia conforme suas próprias regras. Desde criança recebeu o apoio do pai (Leopold Mozart), que o estimulava em seu interesse musical.

Aos cinco anos de idade já compunha e se apresentava para a realeza europeia, que quedava extasiada com tamanha genialidade em tão tenra idade. Já um pouco mais velho, aproveitava ao máximo sua fama. Mulherengo e dono de um senso de humor esfuziante, desfrutava livremente, oficialmente com Constanza, com quem teve um filho.

Ele compunha aparentemente sem o menor esforço, com leveza e rapidez. A sua gargalhada, como registrada no filme, representa de maneira perfeita uma alma livre, apaixonada pela música mais do que pelo reconhecimento, social ou financeiro, que ela poderia lhe trazer.

O embate entre esses dois artistas ocorre de maneira espontânea, como se fossem forças da natureza que viriam a se chocar inevitavelmente. Em 1781, ao se encontrar com o imperador, Mozart escuta Salieri demonstrando ao piano o resultado de um trabalho árduo, uma “marcha de boas vindas”, que havia custado várias noites de sono em seu processo de criação.

Após escutar a obra apenas uma vez, o jovem pede permissão ao criador para sentar-se ao piano e tocá-la, no que o velho compositor aceita um tanto quanto desconcertado. Com a maior naturalidade, Mozart não apenas toca com perfeição sua melodia, como brinca com os acordes, salientando certos trechos que considerava que poderiam ser aprimorados, terminando por chamar a atenção de todos os presentes, que se aproximavam extasiados com o que escutavam.

A sua arte tinha carisma natural, frescor, leveza. Para a surpresa do imperador, aquele jovem havia transformado a simples peça harmônica de seu compositor oficial em algo sublime. Na cena, como um acorde final, a gargalhada de Mozart preenche o ambiente e promove uma mudança interior em Salieri, que, a partir daquele momento, iria desenvolver uma relação doentia de ódio e admiração pelo jovem gênio.

Salieri vertendo lágrimas questionava o divino: “por que entregou o dom musical a ele?”. Afinal, o jovem não havia se abnegado, vivia uma vida desregrada, promíscua até! A inveja somente crescia à medida que seus esforços cada vez maiores falhavam em conseguir a mesma atenção que os arroubos criativos do garoto. Como não conseguia igualá-lo ou superá-lo, desejou destruí-lo. Viver no mesmo mundo que Mozart e ter que ver no rosto do jovem o reflexo de sua própria incompetência era algo inconcebível.

Claro que não irei estragar a experiência daqueles que ainda não conhecem esta obra prima, mas vale salientar um aspecto que acho brilhante na maneira como o diretor finalizou a obra.

O invejoso Salieri, já no crepúsculo de sua vida, confessando a um padre que se considera o “patrono da mediocridade”, pois sabe que será eternamente lembrado nas páginas da História, não por seus árduos esforços ou talento musical, mas apenas por ter compartilhado o mesmo tempo/espaço de seu antagonista.

Antes dos créditos finais, escutamos mais uma vez a gargalhada de Mozart, que literalmente riu por último.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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