Críticas

“Só Nos Resta Chorar”, de Massimo Troisi e Roberto Benigni

Só Nos Resta Chorar (Non ci resta che piangere – 1984)

Um tesouro injustamente esquecido fora de sua nação, devidamente garimpado e lançado em DVD pela distribuidora “Versátil”, que também merece aplausos pelo excelente trabalho na tradução e adaptação, por se tratar de uma comédia alicerçada no rápido duelo verbal entre dois dialetos, o toscano de Roberto Benigni e o napolitano de Massimo Troisi, com muitos diálogos em que a piada poderia facilmente se perder na tradução.

A sensação de liberdade que o roteiro exala transparece o estado de espírito de seus criadores, dois artistas que estavam experimentando o auge de suas carreiras. Benigni e Troisi, amigos fora das telas, dividem a direção e optam por improvisar em todas as cenas.

Alguns momentos são difíceis de esquecer, como a insistente tentativa de tratar o fenômeno temporal como um transtorno psicológico, o hilário encontro com Leonardo da Vinci, em que o professor fica indignado ao perceber a ignorância do artista ao tentar ensiná-lo sobre a psicanálise Freudiana e o Marxismo, ou o atrevimento do zelador que corteja uma bela jovem afirmando ser o compositor de clássicos como “Yesterday” e “Nel blu dipinto di blu”.

É de intenso frescor a forma como a trama se mostra desinteressada em explicar o fenômeno nonsense da viagem no tempo, que conduz os amigos, um professor e o zelador da escola, ao período renascentista. A brincadeira esconde uma crítica, já que o objetivo deles consiste em impedir que Cristóvão Colombo descubra a América, como forma de evitar que, nos tempos atuais, o coração da irmã do professor seja partido por um soldado norte-americano.

Há também uma crítica aos dogmas religiosos, tema que Benigni expandiria em “O Pequeno Diabo”, em 1988, ridicularizando a “hora da escuridão” ao meio-dia, estabelecida pelos fundamentalistas do padre Girolamo Savonarola, evidenciando o rebelde que se recusa a se esconder em sua casa e fechar sua janela, além da cena da cerimônia na igreja, em que os homens, totalmente desinteressados com o ritual, apenas encaram as mulheres e as seguem até suas casas.

“Só nos Resta Chorar” é uma pérola que só melhora a cada revisão.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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