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“O Duplo”, de Richard Ayoade

O Duplo (The Double – 2013)
Existem excelentes adaptações de clássicos literários, como
o recente “O Homem Duplicado”, de Denis Villeneuve, baseado em obra de José
Saramago, com uma temática similar, mas são verdadeiros oásis num deserto de
projetos como o que abordo nesse texto. A novela de Dostoiévski não é um de
seus melhores trabalhos, como o próprio afirmava, mas as falhas do filme não se
resumem aos equívocos de adaptação, existe muito pouco do livro no roteiro de
Avi Korine, que tem no currículo apenas o fraco “Mister Lonely”, e do diretor
Richard Ayoade.

A ambientação é, sem motivo algum, Orwelliana, com direito até a uma espécie de
Big Brother, “O Coronel”, mas com todo jeito de quem folheou as obras no Reader’s
Digest. O ato de rejuvenescer o protagonista, vivido com desnecessária apatia
por Jesse Eisenberg, acompanha a tendência da indústria americana, um texto
escrito para o público adolescente, que desconhece a obra do autor, tampouco
irá se interessar em conhecê-la após a sessão. Interessante que todos os
colegas do emprego são muito mais velhos que ele, tornando a opção ainda mais
bizarra. O ator ignora as nuances de comportamento do personagem literário,
optando pela confortável apatia, como maneira simplista de contrastar com a
arrogância, tão caricatural quanto, de seu duplo. Há também a sempre
desnecessária inclusão de um interesse romântico, a personagem de Mia
Wasikowska, que não tem serventia alguma na evolução da trama.

O humor que existe nas páginas do livro se perde na transposição, com situações
criadas para o deleite da garotada imediatista, com piadinhas tolas, defendidas
por adultos infantilizados, transformando o protagonista existencialmente
multifacetado em uma variação do Adam Sandler. Como exemplo, cito a reação dele
ao descobrir seu duplo em seu ambiente de trabalho, um momento importante no
livro, que é filmado como uma cena genérica de qualquer comédia adolescente. Ao
cercar o protagonista com coadjuvantes bobos, como os dois detetives que agem
de forma infantil, por conseguinte, inverossímeis em suas funções, o roteiro
banaliza qualquer questão mais profunda que pudesse ser sublinhada. Vale
ressaltar, como exceção, uma ótima gag recorrente envolvendo portas que sempre
se fecham para ele. O exemplo de adição inteligente que é coerente às questões
propostas no original, sendo também funcional para o público moderno.

Como reflexão válida, acho interessante o estado atual da indústria americana,
que insere super-heróis dos quadrinhos em realidades austeras adultas, enquanto
escolhe diluir Dostoiévski em um universo infanto-juvenil.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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Octavio Caruso

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