Críticas

“Gandhi”, de Richard Attenborough

Gandhi (1982)

Os acontecimentos mais importantes da vida de Mohandas Gandhi, o líder indiano que enfrentou o domínio britânico sobre seu país. Dedicado ao conceito de resistência não-violenta, ele é inicialmente rejeitado por autoridades inglesas, incluindo o influente Lorde Irwin, mas suas causas acabam se tornando reconhecidas internacionalmente e seus protestos levam a Índia a conquistar sua independência.

“Olho por olho deixará o mundo cego.” (Mahatma Gandhi)

Rever este trabalho primoroso do saudoso diretor Richard Attenborough, outrora exibido frequentemente na televisão, infelizmente pouco lembrado pela nova geração, pode ser considerada uma experiência, acima de tudo, terapêutica, algo que vai além da eficácia técnica inegável, ou da reverência a um elenco formado por nomes como Trevor Howard, John Gielgud e Candice Bergen, falando direto ao coração do espectador, a mensagem transformadora da obra.

Os melhores épicos do cinema são aqueles que, apesar de suas sequências grandiosas, várias passagens de tempo e inúmeros figurantes, conseguem manter o foco o tempo todo no material humano, sem desviar, sem vaidade estética, mérito do roteiro preciso de John Briley, que acompanha os principais momentos históricos da Índia nas primeiras décadas do século 20, inserindo nesta equação o elemento dissonante representado pelo jovem advogado idealista Gandhi, até a reconstituição exata do atentado que sofreu pelas mãos de um fanático religioso, sem fugir das críticas políticas à sua passagem.

O projeto dos sonhos de Attenborough, que lutou por vários anos até conseguir vender a ideia considerada pouco comercial para os produtores, não teria alçado voo sem a presença impressionante de Ben Kingsley, em seu papel mais desafiador, verdadeiramente entregue de corpo e alma, fiel em letra e espírito à Gandhi.

O olhar doce, a voz serena, o gestual tímido, uma fortaleza erigida pelos seus valores éticos e morais, impondo respeito por suas atitudes firmes e coerentes, desafiando as verdades absolutas de seus oponentes com silêncios desconcertantes.

“Quem usa coerção é culpado de violência deliberada. A coerção é desumana.” (Mahatma Gandhi)

A brutalidade de cenas como a do Massacre de Amritsar, com a fotografia de Billy Williams e Ronnie Taylor objetivando a imersão do público, o investimento emocional sem reservas, potencializa o desespero dos britânicos com a estratégia atípica do líder indiano, a desobediência civil sem vandalismo, a liberdade que é conquistada naturalmente pela tentativa sincera de compreender o outro, enxergando com fascínio as diferenças, atraindo organicamente a atenção do mundo inteiro para sua causa.

Vale destacar a trilha sonora de Ravi Shankar, captando com sensibilidade e precioso minimalismo a essência do protagonista, o amor inabalável por sua cultura. A montagem não é episódica, a estrutura, ainda que didática, não prejudica o ritmo da trama.

Terminar a sessão de “Gandhi” com os olhos marejados é celebrar o legado eterno do homem franzino que ensinou ao mundo a importância da lucidez e o poder imbatível da paz.

Cotação: 

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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