Críticas

“Peixe Grande”, de Tim Burton, na HBO MAX

Tim Burton não é um diretor perfeito, mas quando inspirado pelas motivações certas, traduz com grande sensibilidade os valores mais nobres da condição humana envoltos em deliciosa fantasia. Como ocorre em “Peixe Grande” (Big Fish – 2003).

A melhor maneira de se compreender as atitudes de alguém (suas motivações e sonhos) é estabelecendo um muro que divida o que a pessoa acredita ser e sua real personalidade. Suas fantasias e desejos correspondem a uma imagem criada (por traumas, vitórias e derrotas). Uma infância de miséria e fome encaminhará a uma vida adulta em que o desejo por uma mesa farta seja prioridade.

As fantasias de uma pessoa não mentem, expõem cruelmente detalhes que aos olhos treinados tornam-se páginas reveladoras em um livro aberto. O filho do protagonista não se importava em decifrar os segredos contidos no livro aberto que era seu pai. Jovem ambicioso, preocupado demais com sua vida profissional, sem paciência alguma com aquele nobre senhor e suas histórias repetidas.

A perspectiva da finitude faz com que o jovem busque conhecer aquela incógnita falastrona, que sempre o deixava envergonhado em suas festas com seus arroubos criativos. Angustiado com a recusa do pai em se mediocrizar, tornar-se comum, o seu filho então decide conduzir uma pequena investigação, que acaba levando-o a constatar que somente a fantasia, o lírico, realmente satisfaz de forma plena.

Como explicitado no diálogo entre o jovem e o médico da família, que pacientemente conta sobre o dia de seu nascimento. Havia sido uma manhã como qualquer outra, bastante diferente da forma fantástica como seu pai havia lhe contado sua vida inteira. Uma das perguntas que o filme nos faz é: existe algo de errado em viver uma fantasia?

Somos escravos da regularidade da natureza. O sol impreterivelmente nasce e some no horizonte, a chuva eventualmente molha nossas cabeças e as flores se guiam em direção à luz solar. Dormimos e despertamos tentando diariamente encontrar razões para que nossa existência continue a nos surpreender. Edward Bloom (Albert Finney e Ewan McGregor) decidiu bem cedo na vida não se deixar moldar nas fôrmas dos outros. Por acreditar ser mais do que era, tornou-se maior, confiante e decidido a livrar aqueles que se relacionavam com ele desta prisão torturante chamada vida real.

O peixe se molda ao tamanho do aquário em que é colocado, portanto ele procuraria reservatórios mais ambiciosos. O simples ato natural de crescer, para ele, seria visto como uma constatação de sua nova condição exploratória. Sua pequena cidade não o atrapalhava, mas também não o incitava a evoluir. Como peixe, nadava em um pacífico lago de água parada, ansiando uma correnteza.

Burton transforma o lúdico em palpável, imergindo no subconsciente de seu protagonista e nos apresentando todos os elementos (avatares) de seus sonhos. Cada personagem existe por uma razão, exemplificando alguma passagem de sua vida real, como totens simbólicos de sua psique. Na cidade chamada Spectre (espectro), encontramos variados momentos da vida do protagonista encapsulados, como o vislumbre de sua primeira paixão (a garota do rio).

Todos aqueles que cruzam o caminho de Bloom, tem suas vidas modificadas de alguma forma positiva. “Não existe um rosto triste, todos estão muito felizes”, como é dito por seu filho em um dos momentos mais emocionantes. Esta é a essência de “Peixe Grande”, a sua grande mensagem: Sejam maiores que a vida e busquem sempre o fantástico e o impossível, deixando seus sapatos em Spectre. Sabem aquele conselho que dita para serem “pés no chão”? Sigam-no, mas imaginem-se no incerto solo lunar e, principalmente, sem equipamentos.

Quem sabe, enquanto passeiam por lá, não encontram algum gentil gigante ou até uma marciana, seres que irão habitar os futuros sonhos de seus filhos e netos, moldando o caráter e fortalecendo para a vida?

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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