Bingo: O Rei das Manhãs (2017)
O cinema brasileiro está começando a entender que a versatilidade temática é fundamental na construção de uma indústria, as histórias menos convencionais podem operar a mágica do encantamento que urge pela revisão.
É exatamente o que acontece em “Bingo: O Rei das Manhãs”, dirigido por Daniel Rezende e com fotografia de Lula Carvalho, uma obra em que podemos sentir em cada cena, em cada detalhe, o amor profundo pelo material. Quem era criança na década de oitenta será automaticamente hipnotizado pela impecável recriação da época, desde toques sutis como a fonte da legenda que remete às fitas VHS, passando pela seleção musical matadora, até algumas soluções narrativas propositalmente ingênuas (como o interlúdio musical onírico de revide e o recurso visual de comunicação entre pai e filho) que evocam a doçura poética de clássicos do período, como “Cinema Paradiso”.
O roteiro de Luiz Bolognesi equilibra com maestria o drama e a comédia, sem medo de ousar nos dois, inserindo doses generosas de pimenta e recusando se desviar do lado mais sombrio da trama, sendo espertamente coerente com o espírito anárquico do protagonista. O texto cômico é extremamente eficiente, ajudado por um elenco verdadeiramente inspirado.
Se a trava emocional imposta pela devoção religiosa da diretora do programa limita seus movimentos, opção física inteligente que sugere desconforto e a necessidade de ser respeitada profissionalmente, Leandra Leal permite que a natural revolta interna de Lúcia seja liberada em breves e intensos segundos de descontração. É brilhante a forma como o filme trabalha o elemento da teatralidade, força motriz no circo televisionado e no púlpito do templo evangélico, versões altamente diluídas de impulsos genuínos e que visam prioritariamente o lucro financeiro.
A mãe do palhaço, maravilhosa Ana Lúcia Torre, atriz sensível que é afastada dos palcos e passa a ser subutilizada pelos produtores em funções tolas, obrigada a ver jovens de rostos bonitos e mentes vazias dominando o cenário artístico nacional. A cena em que ela enfrenta com dignidade esta realidade é emocionante, um primor técnico, envolvida e acariciada pelas sombras de suas glórias de outrora, esquecida por um povo sem memória. Vladimir Brichta, vivendo Augusto/Bingo, está impressionante, irrepreensível, como é triste ver um talento como ele sendo usualmente desperdiçado em rasas telenovelas.
Perceba como ele constrói o personagem inicialmente no olhar, nos gestos que gradativamente vão se tornando mais claudicantes à medida em que seu psicológico já fragilizado (pela insegurança profissional, por querer ser mais do que um corpo nas pornochanchadas) avança rapidamente em espiral descendente com o vício das drogas, até que, no terceiro ato, despido existencialmente, porém, com sua vaidade intacta, ele limita seus movimentos, seu espaço físico, rimando com o ponto de partida da mulher que ama, que, por sua vez, tendo conquistado segurança profissional, aceita relaxar um pouco. Os dois se completam.
Inspirado livremente na vida de Arlindo Barreto, o filme é o clássico conto do azarão que consegue a grande chance e, inebriado pela fama, perde contato com suas raízes e precisa reencontrar o caminho. No limiar do abismo ele percebe que a resposta estava ao seu lado o tempo todo, o filho pequeno, seu legado.
O azarão temático em um gênero nacionalmente dominado por mínimas variações afinadas por um mesmo diapasão, “Bingo: O Rei das Manhãs” é um dos melhores filmes do ano.
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