Críticas

“Quase Memória”, de Ruy Guerra

Quase Memória (2016)

Com “Quase Memória”, o veterano diretor Ruy Guerra realiza um experimento surrealista sobre a fluidez da memória, adaptando o livro homônimo de Carlos Heitor Cony.

Em cena, o jornalista, dividido em sua versão jovem (Charles Fricks) e idosa (Tony Ramos), busca compreender as transformações em sua vida e, principalmente, enxergar de forma mais justa o legado de seu falecido pai (João Miguel). O diálogo estabelecido entre os dois é irônico, o conformismo frequentemente entrando em choque com a rebeldia, auxiliado por uma direção de arte que encontra formas criativas de driblar o baixo orçamento.

Mas o resultado é prejudicado por uma encenação que obedece a linguagem do teatro, inclusive cometendo o equívoco grosseiro de subestimar a inteligência do público já nos primeiros minutos, quando o roteiro explica que os dois atores vivem versões de um mesmo personagem. É constrangedor ver a técnica da mímica sendo utilizada, o recurso excessivamente didático toma um tempo considerável na cena e causa riso involuntário.

Outro problema é o texto defendido pelo elenco, nada soa minimamente natural, apesar da competência inegável dos artistas. Em alguns momentos é perceptível como o desconforto acaba atrapalhando a execução de falas teoricamente simples, destruindo a imersão emocional na narrativa. As tentativas de alívio cômico são engessadas, não funcionam exatamente porque são afinadas no mesmo diapasão.

As sequências de flashback, os fragmentos de memória envolvendo o pai e a mãe (Mariana Ximenes), são visualmente interessantes, com cores vibrantes propositalmente antinaturais e uma utilização inteligente da iluminação. A ótima cena da mesa de jantar, em que os focos de luz direcionam a atenção do espectador para o ponto de vista de cada personagem, apesar do histrionismo circense irritante na atuação, opção discutível, demonstra o potencial desperdiçado pela obra.

Excelente peça teatral filmada, porém, mediano e sonolento exercício enquanto cinema.

* Crítica publicada no Caderno B do “Jornal do Brasil” (19/04/18).

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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