Críticas

“Ascensor Para o Cadafalso”, de Louis Malle, com JEANNE MOREAU

Ascensor Para o Cadafalso (Ascenseur pour l’échafaud – 1958)

O filme inicia com a personagem de Jeanne Moreau abrindo os olhos, declarando seu amor ao telefone, mas quando a câmera se afasta vemos tristeza em seu olhar, medo, culpa, insegurança, além do perceptível rastro de lágrimas já secas no rosto. O homem do outro lado da linha, ansioso, assustado, as palavras doces contrastam com a imagem que transmite urgência. O espectador inconscientemente conclui que está testemunhando um amor proibido.

Ao som do trompete de Miles Davis, os créditos emolduram o leitmotiv da distância emocional. Ela intenciona fazer com que o amante elimine o marido, para que possam finalmente sair das sombras. Louis Malle, em um atípico exercício de gênero em sua filmografia, trabalhou a incomunicabilidade antes de Antonioni, Florence (Moreau) e Julien (Maurice Ronet) nunca conquistam o simples momento de intimidade que ambos desejam.

O encontro no restaurante após o crime nunca acontece. Ele executa o plano, mas, ao descobrir tarde demais um deslize na fuga, deixa seu veículo ligado e corre de volta para o prédio. Um casal adolescente, espécie de doppelgänger menos inconsequente dos protagonistas, enxergando a oportunidade de aventura, rouba o carro. O segurança, acreditando que o prédio estava vazio, finaliza seu turno e desliga a energia.

Julien, um homem acostumado a vivenciar os horrores da guerra, tremendo azar, acaba passando uma noite preso impotente e frágil dentro de um elevador. Louis (Georges Poujouly), o duplo jovem de Julien perde o controle e comete o mesmo deslize comprometedor, como se o inconsciente dos dois tivesse se encarregado da punição. Florence desiste de aguardar a chegada dele, acreditando ter sido trocada por outra mulher, atravessa a noite chuvosa com desoladora apatia, revisitando os locais que costumavam visitar.

A lágrima na chuva não é pelo marido, nem pela ausência do amante, Florence chora pela jovem que foi outrora, lamentando a pureza perdida no caminho. Ela encontra Véronique (Yori Bertin), a sua dupla, patética e dopada em uma cama, reconhecendo nela os mesmos erros cometidos, os ingênuos sonhos de grandeza.

A vida é a arte do inesperado, o roteiro trabalha este conceito com todos os personagens. Uma tentativa de acabar com a própria vida pode dar errado, enquanto um despretensioso bate-papo agradável com turistas em um hotel pode terminar tragicamente; por mais que todos tentem decidir seus caminhos e creiam ser capazes de pensar à frente, a realidade se recusa a fornecer atalhos fáceis. Como o poderoso desfecho evidencia, não há escapatória.

O protagonista comete um crime, recebe a fama por outro que não cometeu, mas que só foi possível porque ele indiretamente alimentou a violência, a arma esquecida no carro ligado caiu em mãos inexperientes e intempestivas, o efeito da maldade atinge a todos. Até a justiça final possui um gosto amargo.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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