Críticas

“Estrela Ditosa”, de Frank Borzage, com JANET GAYNOR

Estrela Ditosa (Lucky Star – 1929)

Mary (Janet Gaynor), uma pobre camponesa, conhece Tim (Charles Farrell) no início da Primeira Guerra, na qual ele é ferido e perde o movimento das pernas. O amor será possível entre eles?

Belíssimo melodrama da era silenciosa que retoma a parceria entre Janet Gaynor e Charles Farrell, uma das mais populares duplas do cinema romântico da época, após “Sétimo Céu” e “O Anjo das Ruas”, novamente dirigidos pelo grande mestre do gênero: Frank Borzage. O filme, considerado perdido por décadas, foi recuperado em 1990, na Cinemateca de Amsterdã, mas, infelizmente, a versão parcialmente falada, lançada no mesmo período, não teve a mesma sorte.

Gaynor está impecável como a menina do campo, ingênua, que vive em uma família abusiva, explorada pela mãe (que quer manipular sua vida romântica), forçada a se fortalecer para ser o porto seguro do homem que ama. Há uma cena, trabalhada em tom cômico, que considero brilhante em seu simbolismo, representando a transformação dela, de menina a mulher.

Uma brincadeira envolvendo ovos, em que Tim, mais velho que ela, enxergando-a como uma pirralha, sugere quebrar alguns no cabelo da jovem, para mudar a cor, deixar ela mais bonita. Mary entra na brincadeira, coloca uma toalha no pescoço e posiciona a cabeça acima do balde com água, uma espécie de batismo. Nós vemos então várias cascas no chão, as mãos dele freneticamente limpando seu cabelo, intimidade inédita na relação. Ele fica constrangido, pede que ela tome banho sozinha, mas não consegue evitar admirar à distância seu corpo no rio.

Uma característica que ajuda na atemporalidade da obra é a pegada realista ao retratar a guerra e suas consequências físicas e psicológicas. A impressionante atuação de Farrell, com cadeira de rodas e muletas, potencializa o conflito interno, emula a entrega visceral de Lon Chaney, o personagem não quer ser tratado como um coitado, mas sabe que precisa de ajuda nas coisas mais básicas. Ele acaba se recuperando rápido, o roteiro pede suspensão de descrença neste sentido, mas é uma opção coerente com a proposta esperançosa.

O desfecho é onírico em essência, alegórico, mostrando a força do amor sendo capaz de fazer Tim voltar a andar. Ao saber que pode perder ela definitivamente, arranjada pela mãe para outro homem financeiramente abastado, ele literalmente luta contra sua deficiência, cai, levanta, cai novamente, atravessa a neve densa com as muletas, perde uma delas e segue em frente, persegue o carro que leva sua amada, a cena é intensa, angustiante ainda hoje, ele chega literalmente se arrastando ao campo de visão de Mary, que, com olhos marejados, incrédula, corre para seus braços.

“Estrela Ditosa” é um lindo filme que merece ser redescoberto.

* Você encontra o filme facilmente garimpando na internet.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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