Críticas

Crítica de “Godzilla Minus One”, de Takashi Yamazaki

Godzilla Minus One (Gojira -1.0 – 2023)

Devastado pela guerra, o Japão enfrenta uma nova crise na forma de um monstro gigante, o Godzilla.

O monstro mais famoso do cinema funciona muito bem como ameaça em preto e branco. As sombras combinam perfeitamente com a alegoria que o original, dirigido por Ishirô Honda, defendia com seriedade. A trilha sonora, com direito ao tema icônico, composta por Akira Ikufube, capta a essência humana da história, soando como uma marcha fúnebre, verdadeiramente perturbadora.

Uma trama que incita reflexões complexas, profundamente depressivas, sobre o impacto psicológico do desastre nuclear de Hiroshima e Nagasaki no povo japonês, evento que havia ocorrido apenas dez anos antes da produção.

Os filmes posteriores são diversão descompromissada, bobagens (algumas competentes) muito distantes da beleza de cenas como a do coro de crianças entoando um hino à paz, enfrentando com honra a possível destruição. É o momento pungente em que o véu da metáfora cai, revelando as cicatrizes abertas da nação.

O monstro foi gradativamente se tornando um símbolo do patriotismo japonês, uma força de defesa da nação contra outros monstros, abandonando totalmente a aura de perigo que sua presença transmitia.

Na era Shōwa (1954–1975), destaco “Godzilla Contra a Ilha Sagrada” (1964) e “O Despertar dos Monstros” (1968). A era Heisei (1984-1995) marcou a minha infância, graças às exibições televisivas vespertinas de pérolas como “Godzilla vs. Biollante” (1989) e “Godzilla Contra o Monstro do Mal” (1991).

As produções da era Millenium (1999-2004), apesar da evolução nos efeitos especiais, pecavam por infantilizar ainda mais o material, um estrago que só foi remediado na atual era Reiwa, com o excelente, verdadeiramente surpreendente, “Shin Godzilla” (2016), de Hideaki Anno e Shinji Higuchi, que conseguiu resgatar o elemento da ameaça que o original havia estabelecido.

“Godzilla Minus One”, o mais novo projeto, afinado no mesmo diapasão, talvez não supere o longa de 2016 no que tange às sequências de ação, ainda que entregue momentos embasbacantes, mas injeta muito mais emoção nas subtramas humanas, além de servir inteligentemente como prequel do clássico.

A obra é pensada como celebração da Toho pelos 70 anos da franquia, o esmero é perceptível em cada detalhe, ela exala do início ao fim profundo respeito pelo próprio legado e pelo público, sem imposição de agendas ideológicas tortas, apenas a preocupação basilar de contar bem uma história, lição preciosa que Hollywood desaprendeu. E, por este motivo, o longa japonês está, de forma merecida, lotando as salas de cinema norte-americanas.

Um dos segredos do sucesso está no carisma genuíno do elenco, você realmente se importa com os personagens, você se emociona com as reviravoltas, e, devido ao fato do suspense ter sido tão bem construído nos primeiros vinte minutos, a imersão no segundo ato é profunda, a suspensão da descrença é facilitada pelo carinho com que o roteiro trata o trio principal, o jovem piloto kamikaze Kōichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki), atormentado pelo sentimento de culpa, a enigmática Noriko (Minami Hamabe) e a pequena Akiko (Sae Nagatani).

Outro ponto que vale salientar, algo que reforça a grandeza da obra, até mesmo personagens menores, como o engenheiro Tachibana (Munetaka Aoki), exercem função importante no desenvolvimento da trama e, mais que isto, ressaltam o leitmotiv da esperança no futuro do povo, a necessidade de mudar de postura para garantir que erros do passado não se repitam.

Um filme que diverte, faz rir e chorar, vale cada centavo investido no ingresso.

Cotação:

  • O filme estreou nesta semana nas salas de cinema brasileiras.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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