Casa de Dinamite (A House of Dynamite – 2025)
Os radares em Fort Greely, Alasca, detectam um míssil nuclear. O presidente e sua comitiva devem usar o tempo limitado que têm para tentar derrubar o míssil antes que ele atinja Chicago.
Acompanhando a recepção do filme nas redes sociais, fiquei preocupado, mais uma vez constato que algo mudou drasticamente. Não foi em outro planeta, nem faz tanto tempo assim, eu me recordo vividamente de crescer em um mundo em que adultos apreciavam roteiros labirínticos e propostas narrativas que fugiam do óbvio.
Você consegue imaginar o brasileiro diplomado de hoje, que reclama que esta história “não teve final”, assistindo a uma pérola do Godard ou “O Ano Passado em Marienbad” (1961), de Resnais? Não precisa ir longe, ficando no mesmo tema, pense em como o desenvolvimento de “Limite de Segurança” (1964), de Sidney Lumet, e as últimas cenas do brilhante “Dr. Fantástico” (1964), de Kubrick, causariam revolta nos consumidores das plataformas de streaming.
Nestes vergonhosos tempos atuais em que um adulto (em teoria) alfabetizado pateticamente implora para a inteligência artificial facilitar seu discernimento nos assuntos mais rasos, não há mais capacidade de compreender a proposta de uma obra artística, não há resquício de sensibilidade para captar a sua mensagem.

O nível cognitivo na civilização ocidental está lastimável, obviamente que a situação no Brasil se mostra ainda pior, basta analisar o estrago que o processo de infantilização da massa já faz no jornalismo cultural, manchetes sobre a obra utilizando gírias tolas e textos precários que não seriam publicados outrora nem mesmo em fanzines escolares, não consigo aceitar o absurdo downgrade humano, foi algum acordo tácito? Todo mundo escolheu perder a capacidade de raciocínio ou é efeito colateral de algo artificialmente inserido na equação? Não precisa ser muito perspicaz para perceber que a coisa, do jeito que está, não vai acabar bem…
E é esta sensação latente de destruição iminente que a competente diretora Kathryn Bigelow, dos ótimos “Estranhos Prazeres” (1995) e “Caçadores de Emoção” (1991), trabalha em seu novo filme, após um longo hiato, resgatando o senso de tensão que exercitou tão bem em “Guerra ao Terror” (2008) e, de certa forma, entregando conceitualmente algo próximo ao horror de “Quando Chega a Escuridão” (1987).
O roteiro de Noah Oppenheim, do elegante “Jackie” (2016), opta pela estrutura fragmentada do clássico “Rashomon” (1950), de Akira Kurosawa, analisando a mesma situação por perspectivas diferentes, utilizando as convenções do thriller como facilitadora ponte para suscitar no público uma importante e perturbadora reflexão sobre a perigosa fragilidade de uma realidade conscientemente abandonada nas garras do caos.
O sucesso da fórmula se deve também à força do elenco, com destaque para os esforços de Idris Elba e Rebecca Ferguson. Ele, vivendo o presidente dos EUA, ela, uma oficial sênior na Sala de Crise da Casa Branca, os responsáveis diretos pela resposta imediata à ameaça.
A cíclica contagem regressiva de 19 minutos desorienta, reforçando a sensação de que os personagens estão diante de uma situação impossível, não há treino capaz de preparar aquelas pessoas para o momento, não há teatralidade política que resista ao instinto animal de sobrevivência. O maior mérito da obra é apontar o dedo para a profunda irresponsabilidade de todos os envolvidos nesta financiada destruição de alicerces fundamentais.
Finalizo com um conselho para quem discordou da visão da realizadora e ficou insatisfeito com o desfecho, procure na sequência o telefilme “O Dia Seguinte” (1973), de Nicholas Meyer, ou “Catástrofe Nuclear” (1984), de Mick Jackson, eles vão suprir a sua necessidade sensorial pela espetacularização da dor.
Cotação: ![]()
- Você encontra o filme atualmente na plataforma NETFLIX.
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