Joseph Campbell publicou seu livro “The Hero With a Thousand Faces” em 1949. J.R.R. Tolkien publicou o primeiro volume de “O Senhor dos Anéis” em 1954. George Lucas assumidamente utilizou o trabalho seminal de Campbell como estrutura para sua saga espacial. Mas basta uma análise mais atenciosa para perceber que Tolkien também seguiu fielmente a mesma estrutura.

Como ele oficialmente escreveu seus livros ao longo de vários anos (1937 a 1949), mas continuou revisando-os nos anos seguintes, nós podemos crer que houve algum tipo de inspiração nos estudos de Campbell (que afirmava publicamente que não gostava do trabalho de Tolkien).

Provavelmente foi coincidência, já que ambos beberam na fonte dos mitos nativo americanos, hindus, gregos, bíblicos e nórdicos. Nunca saberemos a resposta, mas é interessante analisar as obras de Tolkien pela ótica de alguns estágios da jornada mítica do herói/monomito.

devotudoaocinema.com.br - A maravilhosa trilogia "O Senhor dos Anéis", de Peter Jackson

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Mundo Comum – O mundo normal do herói antes da história começar.

Frodo, Sam e seus amigos, vivem no idílico mundo do Condado.

O Chamado da Aventura – Um problema se apresenta ao herói: um desafio ou a aventura.

Gandalf convida o Hobbit para uma aventura, objetivando a destruição do Um Anel.

Reticência do Herói ou Recusa do Chamado – O herói recusa ou demora a aceitar o desafio ou aventura, geralmente porque tem medo.

Frodo inicialmente se recusa a partir com ele, por medo de sair de sua zona de conforto.

Encontro com o mentor ou Ajuda Sobrenatural – O herói encontra um mentor que o faz aceitar o chamado e o informa e treina para sua aventura.

Ele, ao ir mais longe de casa pela primeira vez, encontra seus mentores na forma da Sociedade. Ao lado destes guerreiros, ele aprende como se defender e percebe que a valentia estava dentro dele o tempo todo.

Cruzamento do Primeiro Portal – O herói abandona o mundo comum para entrar no mundo especial ou mágico.

O encontro com os elfos e um mundo mágico que ele nunca imaginou existir.

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Provações, aliados e inimigos ou A Barriga da Baleia – O herói enfrenta testes, encontra seus aliados e enfrenta vários inimigos, de forma que aprende as regras do mundo especial.

O Balrog, a aranha, Gollum, Saruman, em suma, todos os perigos que ele encontra no longo caminho até a Montanha da Perdição.

Aproximação da Caverna Interna – O herói se adaptou ao mundo especial e passa a buscar seu coração, a caverna mais profunda, onde deve usar cada lição aprendida para sobreviver.

A sua coragem ao buscar sozinho seu destino, tentando proteger seu amigo Sam.

Provação difícil ou traumática – A maior crise da aventura, de vida ou morte.

O seu momento definitivo com Gollum, tentando vencer a indecisão de destruir ou não o Um Anel.

Recompensa – O herói enfrentou a finitude, se sobrepõe ao seu medo e agora ganha uma recompensa (o elixir).

A destruição do Anel na Montanha da Perdição, tendo como recompensa a liberdade de seu povo.

O Caminho de Volta – O herói deve voltar para o mundo comum.

O seu retorno para o Condado, tendo completado sua jornada de amadurecimento.

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Tolkien, como experiente filólogo, desenvolveu idiomas próprios para emoldurar seu rico universo, tornando cada cenário na Terra Média extremamente vivo. Para a maioria de nós, as árvores são simples organismos vegetais, mas Tolkien sabia que os primeiros homens a caminhar na Terra as viam de forma bem diferente. Para estes homens primitivos, o mundo era cercado de elementos mágicos. O céu noturno era uma incógnita, com deuses que os ajudavam com a ventania e demonstravam sua ira com barulhentos trovões.

A mitologia sempre existiu e Tolkien acreditava que não havia problema algum em unir o intelecto com o poder criativo da imaginação. Diferente de seu colega C.S. Lewis (criador das “Crônicas de Nárnia”), que via os evangelhos católicos como um fato histórico, Tolkien via como mais uma forma de mitologia. O elemento da “Consolação”, a recompensa do final feliz, representada pela ressurreição de Cristo.

A trilogia de Peter Jackson é uma coleção de acertos, um marco no cinema de fantasia. Ele acertou, por exemplo, ao excluir Tom Bombadil da trama (critério que ele devia ter utilizado com Radagast na nova trilogia), priorizando a essência dos escritos de Tolkien e seu potencial imagético, em detrimento de uma fidelidade ipsis litteris. As versões estendidas da trilogia são dinâmicas, enquanto as versões comuns de “Uma Jornada Inesperada” (especialmente) e “A Desolação de Smaug” são arrastadas.

A sua adaptação para o personagem Aragorn (Viggo Mortensen) é um exemplo de sua sagacidade. Nos livros, Passolargo é um marginal, fazendo o seu caminho fora das fronteiras de uma civilização em declínio. Quando ele se revela, mostra-se um mito entre seres comuns e ordinários, simbolizados pelos Hobbits, como Frodo (Elijah Wood) e Sam (Sean Astin). Em “Silmarillion”, por exemplo, não existem personagens comuns que o público possa se identificar. Aragorn somente toca o mundo comum ao retomar a espada que havia sido quebrada, aceitando seu destino.

Jackson deixa claro desde seus primeiros momentos sua doce e gentil humanidade, como um arquétipo de Jesus, um homem cheio de dúvidas e que sofre pelo amor de uma mulher. Já sua adaptação para a personagem feminina Éowin (Miranda Otto), falha no básico. Tolkien tinha um ponto fraco: personagens femininas. Mas a corajosa Éowin é a única mulher representada com alguma profundidade em suas páginas.

Jackson potencializa sua dependência ao amor de Aragorn, fazendo dela uma estereotipada apaixonada adolescente, equivocadamente descartando a surpresa de sua aparição perante o Rei Bruxo de Angmar, transformando-a em uma frágil e atemorizada menina (ainda assim, conseguindo vencer o medo ao final).

A beleza da saga de Tolkien não reside nas batalhas e na riqueza do mundo fantástico que ele criou, mas sim, naqueles elementos mitológicos facilmente identificáveis em nossas vidas comuns.

A corrupção do caráter humano, a ambição, a resignação perante a inevitável mortalidade, a coragem que nasce forjada no calor dos desafios mais extenuantes e os laços de amizade que nos fazem “carregar nos ombros” (assim como Sam em “O Retorno do Rei”) os irmãos feridos em batalha.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Podem se passar décadas e os textos tanto de Tolkien quanto a análise dos mitos de Campbell ultrapassam as nossas ideias de futuro e chegam ao maior esplendor da Imaginação Humana.
    Por isso não adianta, os dois foram e sempre serão os melhores naquilo que fizeram.
    Viva Silmarilliam e Viva e O Poder do Mito!
    Referências literárias que podem ser levadas como grandes exemplos de uma boa vida a se seguir!

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