Donnie Darko (2001)

  • O texto contém spoilers, eu recomendo que seja lido após a sessão.

O primeiro erro que se pode cometer ao escrever sobre essa pérola é tentar explicar sua história, existem muitos blogs, sites e fóruns de discussão que esmiúçam cada elemento da trama, o que resulta numa leitura técnica bastante entediante, eliminando todo o fascínio que a obra naturalmente desperta, o equivalente ao mágico que trabalha revelando os truques dos colegas.

O prazer está no mistério elaborado pelo roteirista/diretor Richard Kelly, nas descobertas em cada revisão atenta, e, acima de tudo, na compreensão de que é impossível ligar todos os pontos. O recurso da viagem no tempo sempre foi muito utilizado no cinema e na literatura, mas são poucos os títulos verdadeiramente brilhantes nas duas mídias. “O Fim da Eternidade”, de Isaac Asimov, por exemplo, subestimada joia, considero o melhor livro a tratar do assunto. “Donnie Darko” está na minha lista de 5 melhores filmes no tema.

É bonito perceber as sutis homenagens do cineasta ao seu ídolo Steven Spielberg, das bicicletas em perseguição noturna que remetem à “E.T”, passando pela hábil inserção de um típico susto spielberguiano na exploração na casa da vovó finitude, até a óbvia participação de Drew Barrymore. A atriz, num ato de grande generosidade e inteligência, leu o roteiro daquele garoto sem histórico relevante na área, ficou impressionada com o talento dele e se comprometeu a, não somente atuar, como também produzir o filme. Com o nome dela apoiando o projeto, o que seria um exercício independente de baixíssimo orçamento fadado ao mercado de vídeo acabou atraindo atenção de outros nomes grandes da indústria, como Patrick Swayze e Katharine Ross.

O protagonista, impecável atuação de Jake Gyllenhaal, entrega na sala de aula a melhor definição para a experiência proposta no roteiro, aprofundando questões levantadas por um conto de Graham Greene, o paralelo entre a destruição e a criação, a esquizofrenia como gatilho psicológico para a constante reinvenção de um indivíduo, a esquizofrenia como metáfora para as possibilidades de realidades alternativas exploradas em viagens no tempo.

O ato de incendiar a casa do palestrante motivacional foi imprescindível para que os policiais descobrissem um quarto secreto com material criminoso, mas não apenas isso, também foi o evento que possibilitou o fechamento do universo tangente onde se passa praticamente todo o filme, uma anomalia que colocava em risco a existência do próprio universo.

Na realidade, Kelly criou uma elegante graphic novel de super-herói ambientada na década de 80 e com elementos bem executados de terror. Com a prisão do palestrante, a mãe do protagonista foi obrigada a acompanhar a filha e as colegas dela na viagem de avião, deixando a casa vazia para que ocorresse a festa de Halloween e a subsequente tragédia que leva o jovem a eliminar Frank, que retorna no tempo com sua fantasia de coelho (referência ao personagem que conduz a Alice de Lewis Carroll em sua aventura) para salvar Donnie de ser atingido pela turbina no quarto. Nessa vida alternativa, até mesmo um relacionamento amoroso com uma bela colega de classe consegue desabrochar, sentimento que ele opta por valorizar em seu sacrifício final.

O herói também é levado a confrontar de forma prática algumas instituições opressivas, inundando sua escola que doutrina com base em um código de valores equivocados, punindo professores que intencionam abrir as cabeças dos alunos, além de desconcertar sua psiquiatra em diversos momentos, provando para a profissional que nada que ela aprendeu nos livros explica de forma minimamente aceitável as variantes de seu comportamento.

O ser humano não pode ser etiquetado, padronizado, sem levar em conta os matizes que compõem sua complexa personalidade, ensinamento que Donnie tenta transmitir também para uma de suas professoras, na cena do “amor e medo” na lousa, um dos bons alívios cômicos.



Viva você também este sonho...

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