Em teoria, uma refilmagem do clássico homônimo da década de trinta, protagonizado por Humphrey Bogart, na prática, com exceção de poucos pontos em comum, a trama foi trabalhada para servir como veículo para o carisma matador do rapaz.

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Talhado Para Campeão (Kid Galahad – 1962)

É comum ler que a música de Elvis perdeu qualidade durante os anos dedicados à carreira cinematográfica, uma grande bobagem defendida por aqueles que ignoram o assunto. De 1960 a 1963, apenas três anos, a RCA lançou quatro álbuns maravilhosos: “Elvis is Back”, o gospel “His Hand in Mine”, “Something for Everybody” e “Pot Luck”. Basta uma análise atenta no repertório desses trabalhos para constatar que não existe músico popular no mercado atual que consiga repetir o feito. Em estúdio, feras como o saxofonista Boots Randolph e o guitarrista Hank Garland, além de Scotty Moore e D.J. Fontana, eram a garantia do reforço elegante que o jovem merecia.

Só pra citar alguns títulos impecáveis nascidos dessas sessões: “Fever”, “Are You Lonesome Tonight?”, “Reconsider Baby”, “Gently”, “Such a Night”, “Judy”, “Surrender”, “It’s Now or Never”, “(Marie’s the Name) His Latest Flame”, “Little Sister”, “Good Luck Charm”, “Kiss Me Quick”, “She’s Not You”, “Suspicion”, além das duas únicas canções que tiveram o dedo de Elvis na composição: “That’s Someone You’ll Never Forget”, pensada para sua falecida mãe, e “You’ll Be Gone”, com uma batida latina. O início das filmagens de “Talhado Para Campeão” marcou o final das sessões para o último dos quatro discos citados.

Vale notar o início da batalha dele com a balança, algo que o deixava incomodado durante as filmagens, mas que os ângulos de câmera ajudaram a amenizar. Ao contrário do que muitos afirmam equivocadamente, a questão do sobrepeso não foi um sintoma da depressão do final de sua vida, ele sempre teve problema com seus hábitos alimentares. Ele vive Walter Gulick, um soldado que retorna para sua cidade natal na procura de um emprego na área de conserto de automóveis, mas que acaba sendo descoberto por um treinador de boxe, vivido por um ainda pouco conhecido Charles Bronson, e seu empresário trambiqueiro, papel entregue para Gig Young, que odiou cada segundo em cena.

Casado à época com a “Feiticeira”: Elizabeth Montgomery, o ator percebeu enciumado que a esposa frequentava diariamente os sets e mantinha longos papos animados com Elvis. Em dado momento, no auge da raiva, Gig, provavelmente alcoolizado, chegou a ameaçar bater na mulher, o que levou Elvis a se intrometer fisicamente na discussão. A tensão quase insuportável fez o jovem pensar em desistir do filme. No final da década de setenta, Gig, após receber um prêmio da Academia como Coadjuvante em “A Noite dos Desesperados”, um homem profundamente perturbado, desferiu um tiro na namorada, Kim Schmidt, e logo depois se suicidou em seu apartamento.

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A bela Joan Blackman retomou a parceria de “Feitiço Havaiano”, vivendo a irmã caçula do empresário, o que ajudou a construir um clima de cumplicidade perceptível em várias cenas, como quando ela divertidamente desconcerta o cantor ao som de “I Got Lucky”. A trilha sonora, prejudicada pela demanda absurda de composições dos últimos dois anos, possui apenas uma boa música com real apelo comercial: “King of The Whole Wide World”, composta por Bob Roberts e Ruth Bachelor, que espertamente foi inserida nos créditos iniciais. A já citada “I Got Lucky”, “This is Living”, “Riding The Rainbow” e a balada “Home is Where The Heart Is”, são, na melhor das hipóteses, razoavelmente simpáticas.

“A Whistling Tune”, cogitada para o filme anterior, foi inserida de maneira desastrada na trama, com direito a um trecho em que ele entoa num passeio romântico: “Uma melodia assobiada para caminhadas noturnas”, em pleno sol do meio-dia. Dá para ver na sequência o desconforto de Elvis ao tirar leite de pedra. Outro problema do filme é a disposição canhestra das canções na trama, falta o equilíbrio conquistado nas produções seguintes, ponto que chega a incomodar, já que a história interessante é invariavelmente interrompida por situações altamente forçadas.

A direção de Phil Karlson, responsável pelo competente noir: “Os Quatro Desconhecidos”, de 1952, ajuda a dar credibilidade na subtrama envolvendo a máfia, com direito à tortura com o personagem de Bronson, que tem suas mãos quebradas, um momento brutal que seria impensável nos filmes posteriores de Presley. E, misturando boxe com o karatê que era uma paixão na vida do cantor, até que as lutas no ringue são eficientes, mérito do coreógrafo, o campeão mundial Mushy Callahan, especialmente a que finaliza a obra, no mesmo nível de grande parte das produções que enfocavam o esporte até aquela época. O resultado é irregular, um bom filme com problemas, mas eficiente naquilo que se propõe a entregar.

Uma curiosidade que evidencia a personalidade de Elvis, logo no primeiro dia de filmagens, os amigos e membros da equipe prepararam uma cadeira de diretor para o astro onde se lia: “Sr. Presley”. O rapaz ficou sem jeito com a gentileza, disse que não havia necessidade para aquela formalidade, ele recusava tratamento diferenciado. Na manhã seguinte, ao chegar no set, uma nova cadeira o estava esperando, com os dizeres: “O bom e velho Elvis”. A gargalhada geral ditou o clima do dia.

Quando “Feitiço Havaiano” estreou nos cinemas, “Em Cada Sonho Um Amor” e “Talhado Para Campeão” já haviam sido filmados. O fracasso de “Coração Rebelde” e “Estrela de Fogo”, as duas produções mais sérias, aliado ao sucesso impressionante da divertida aventura no solo havaiano, serviu como argumento suficiente para que o Coronel Parker tirasse de vez da cabeça de Elvis o sonho de ser reconhecido como ator dramático. A mudança de estratégia comercial foi imediata, o que prejudicou até a divulgação das duas produções da Mirisch, que marcariam os últimos flertes do rei do rock com tramas minimamente ousadas, pelo menos até o redentor final da década, que trouxe “Joe é Muito Vivo”, “Viva Um Pouquinho, Ame Um Pouquinho”, “Charro”, “Lindas Encrencas: as Garotas” e “Ele e as Três Noviças”.

O irregular período de 1962-1967, época dominada pela fórmula lucrativa: muitas canções e pouca história, não representa o conjunto de obra de Elvis no cinema, mas é o período que os detratores sempre utilizam como argumento para desvalorizar os esforços do artista. Mas até mesmo nestas produções podemos encontrar méritos interessantes, como irei revelar nos próximos textos do especial.

A Seguir: “Garotas, Garotas e Mais Garotas” (Girls! Girls! Girls!)



Viva você também este sonho...

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