Críticas

“A Máfia Nunca Perdoa”, de Barry Shear, no TELECINE

A Máfia Nunca Perdoa (Across 110th Street – 1972)

O roubo de US$300.000 de um ponto da Máfia no Harlem, por três homens negros vestidos de policiais, desencadeia uma busca frenética em toda a cidade para encontrar os autores.

Com valores de produção que o tornam mais refinado que a maioria dos filmes do gênero, esta obra merece constar ao lado de “Operação França” e “No Calor da Noite” (além da semelhança na temática, sua inspiração também se mostra presente na breve referência ao faroeste “Duelo em Diablo Canyon”, que também lida com um conflito étnico, protagonizado também por Sidney Poitier), como um retrato pungente de sua época.

Iniciando com a poderosa canção-título (composta e cantada por Bobby Womack), somos levados a sentir que estamos vivenciando, no meio do fogo cruzado, o confronto entre brancos e negros no Harlem. A câmera perscruta cada beco escuro, transpondo com facilidade a crueza necessária em cenas como a da perseguição ao final.

Não existem heróis e vilões (percebam a atitude redentora de um dos ladrões, próximo ao desfecho), apenas homens falíveis e moralmente corruptíveis. Diferente da maioria dos filmes “Blaxploitation”, o roteiro não entrega tipos estereotipados (quase personagens de histórias em quadrinhos), mas sim um olhar mais profundo sobre o racismo, acentuado na interpretação de Anthony Quinn (também produtor executivo) e em sua relação com o personagem de Yaphet Kotto.

Subvertendo a animosidade que existia entre os personagens de Rod Steiger e Sidney Poitier (no já citado “No Calor da Noite”), garantindo momentos brilhantes, como quando Kotto pergunta à Quinn: “Quando você me verá como um policial?” O personagem de Quinn está subconscientemente propenso a crer que todos os negros do Harlem são marginais, então não consegue assimilar que seu colega (seu superior) possa ser confiável. Habilmente, Quinn estabelece a ideologia torta de Matelli, durante o primeiro ato, extravasando-a como uma fera enjaulada, disposto a esmurrar qualquer um que se colocar em seu caminho.

Ao longo do segundo ato, percebemos que ocorre uma mudança física (consequentemente ideológica), como se ele enfim tivesse acordado para a realidade de que, naquela selva urbana, ele era um leão cansado, cujos métodos ultrapassados não se adequavam. A excelente cena final (que não revelarei) reforça de forma imagética o discurso proposto pelo diretor Barry Shear, mantendo-se na mente de quem assiste por muito tempo após a sessão.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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