Interestelar (Interstellar – 2014)
As reservas naturais da Terra estão chegando ao fim e um grupo de astronautas recebe a missão de verificar possíveis planetas para receberem a população mundial, possibilitando a continuação da espécie. Cooper (Matthew McConaughey) é chamado para liderar o grupo e aceita a missão sabendo que pode nunca mais ver os filhos. Ao lado de Brand, Jenkins e Doyle, ele seguirá em busca de um novo lar.
Eu cometi um erro quando analisei esta obra em sua semana de estreia, acostumado ao estilo do diretor Christopher Nolan, procurei naquela experiência uma satisfação intelectual superior, um desafio, mas revisões posteriores provaram que “Interestelar” se destaca na filmografia do britânico exatamente por se entregar sem receio algum ao melodrama, opção consciente que não prejudica a lógica da trama.
Na preparação deste novo texto, utilizo como base a minha crítica postada em 2014 no saudoso site cinema.com, muitos problemas que encontrei seguem perceptíveis, apenas agreguei pontos ao final que se mostraram mais bonitos no momento em que foquei no elemento mais importante na proposta: o coração.
CRÍTICA QUE ESCREVI EM 2014:
É curioso analisar a reação do público, dividido entre dois extremos, aqueles que celebram o projeto como um sucessor do épico “2001” de Stanley Kubrick, tão radicais quanto aqueles que não enxergaram qualidade alguma em seu ambicioso esforço.
A ambição, por si só, já valeria como mérito, com o diretor provando mais uma vez que é possível unir o cinemão mainstream, com seu calculado entretenimento industrializado, a uma dose generosa de ousadia temática e de execução, mais comuns no cinema independente.
O aspecto visual é impressionante, o design do buraco negro, a execução da cena ambientada no hipercubo, um refinamento à altura das questões levantadas no roteiro.
Os primeiros quarenta minutos são problemáticos, com excesso de diálogos expositivos, defendidos por personagens que agem de forma unidimensional. Alguns, como o vivido por John Lithgow, atravessando a tênue linha da caricatura.
Na cena em que o pai, o astronauta fazendeiro interpretado por Matthew McConaughey, avisa sua filha sobre a natureza de sua missão, a trilha sonora de Hans Zimmer força a mão, tentando extrair a fórceps a catarse de uma relação familiar cujo investimento emocional se resume a longos diálogos técnicos, uma conexão que só existe em teoria, nas páginas do roteiro.
Esta cena se estende por mais tempo do que devia, mas como o sentimento proposto agressivamente pela trilha e pelas atuações não soa orgânico, o desespero da menina se torna inverossímil, lágrimas de piloto automático, com o roteiro repetindo os clichês das inúmeras despedidas entre pais e filhos no cinema.
Fica clara a ansiedade do diretor em chegar ao ponto que estimulou sua gênese, com o início da missão espacial. Após tanto falatório, fiquei até aliviado quando a câmera se estendeu na paisagem silenciosa do espaço. O segundo ato flui de forma muito mais eficiente.
É interessante a forma como a teoria da relatividade de Einstein é utilizada como recurso dramático, mas quando a trama força um discurso quase piegas, o que ocorre com frequência, inserindo o conceito do amor na equação, fica aparente o desconforto do diretor em se afastar do aspecto mais nerd da obra, as análises científicas e existenciais que ele propõe.
Parece gordura extra, com a quantidade imensa de informações que os personagens entregam, eventuais quebras de ritmo em que, sem exagero, ficamos assistindo a tiras de cartolina, sem nenhum aprofundamento ou motivação verossímil, divagando de forma romântica e poética sobre questões que parecem enxertadas somente para agradar o público feminino que aprecia as formulaicas comédias românticas, o que explica os dispensáveis últimos dez minutos.
A necessidade de abraçar vários temas bastante distintos, em três longas horas de duração, acaba tornando a abordagem sobre cada um deles algo implacavelmente superficial. Os muitos paradoxos, algo usual em todos os filmes que abordam de alguma forma viagens no tempo, são prejudicados pelos problemas já citados.
Quando a trama é bem executada, você investe emocionalmente no que está sendo mostrado, você se afeiçoa organicamente aos personagens, então não se apega em tempo real aos paradoxos. Como o estilo de Nolan prima pelo excesso didático, os paradoxos se destacam na narrativa como um elefante numa loja de cristais.
Um exemplo deste didatismo tolo em algo que não é um paradoxo: o personagem de Matt Damon, após mostrar sua real intenção, vira as costas para o protagonista à beira da morte. Na expressão de seu rosto, ele já diz tudo, mas o roteiro insere um texto bobo em que ele verbaliza algo como: “não consigo ver isto, eu pensei que conseguiria, mas não consigo”.
Vale comparar a reação dos astronautas deste filme ao encontrarem o buraco negro, momento que vira papo de botequim elegante, com a magistral sequência de “2001”, em que o astronauta atravessa em silêncio o portal das estrelas, evidenciando que a mente humana não está preparada para este tipo de contato.
Para os admiradores do cineasta, no que me incluo, é ótimo encontrar as características sequências espetaculares com montagens paralelas, assim como é válido aplaudir novamente sua coragem, mas unindo os fracos quarenta minutos iniciais, que emulam as piores características do cinema de Spielberg, e um terceiro ato estruturalmente frustrante, acredito que, por mais impactante que seja o primeiro contato com a trama, com um tema fascinante e algumas reviravoltas espertas, as suas falhas tendem a se destacar bastante em revisões.
Apesar de seus inegáveis méritos filosóficos, especialmente a partir do ponto em que o protagonista é levado por uma inteligência do futuro a interagir em sua própria linha temporal, aquela maravilhosa ambição narrativa que é tão rara na indústria norte-americana, este talvez seja o filme do diretor que irá envelhecer com menos graciosidade.
ANÁLISE APÓS REVISÕES EM 2025:
Eu não levei em conta na época o processo de infantilização do Ocidente que seria reforçado no período 2014-2020, por conseguinte, considerando a qualidade do que o cinema sci-fi produz hoje, “Interestelar” não envelheceu de forma pouco graciosa, como equivocadamente afirmei, muito pelo contrário, a sua história, a linda mensagem que carrega, compensa com louvor os seus problemas estruturais.
O mundo, de lá pra cá, pode ter (com sorte) aprendido que a ciência não é uma religião, que ela deve ser questionada, para que não seja utilizada como bandeira para as maiores atrocidades e enganações.
A visão ingênua e poética da obra neste quesito pode ter sofrido abalos, infelizmente a nobreza que encontramos na literatura do gênero raramente é utilizada na vida real, mas há um ponto na trama que segue firme, uma poderosa verdade encapsulada em um dos diálogos entre Amelia Brand (Anne Hathaway) e Joseph Cooper (McConaughey), sobre a natureza do amor.
Este é o fio que conduz todos os eventos, por trás do verniz de efeitos visuais e conceitos cientificamente complexos, este é o coração do filme. O amor transcende tempo e espaço. Ele não deve ser entendido, confie nele, confie em seu instinto. A ciência é facilmente corrompida pelo homem, mas o amor genuíno se alimenta da honestidade.
A personagem de Hathaway era movida pela arrogância profissional, mas a jornada resgata nela a necessária humildade da criança fascinada diante do desconhecido. Quando o adulto decide ignorar este olhar, ele abre as portas para todo tipo de maldade…
Trilha sonora composta por Hans Zimmer: