Introdução

Eu sempre fui fascinado pelas histórias do Velho Oeste. Gostava de ler aqueles livros de bolso obscuros (das séries “Chumbo Quente”, “Oeste Beijo e Bala” e “Oeste Brutal”, entre outros) que comprava na banca de jornal, sempre que meu pai pedia que eu o acompanhasse até a feira. Claro que o chantageava emocionalmente para que parássemos também na videolocadora antes de voltarmos para casa, mas normalmente já estaria a folhear pelo caminho a nova aquisição.

Adorava também as revistas em quadrinho do “Tenente Blueberry”, mas foram as do “Tex” que realmente me marcaram. Recordo até hoje de uma história dele que relia semanalmente, chamada “El Muerto”. Quando ainda estava iniciando em meu vício cinéfilo, lembro-me de ter visto “Silverado” e “Django” (gravados por meu pai em uma mesma fita VHS) em uma tarde chuvosa, munido com um copo de Coca-Cola e alguns pacotinhos de waffles do Fofão, que nem existem mais.

Aliás, minhas melhores recordações da infância são de momentos como este, em que o futuro era algo tão distante que eu achava que iria me cansar de esperar até fazer vinte e cinco anos. Hoje, daria tudo para sentar num sofá, com um copo de refrigerante e aqueles pacotinhos de biscoito cujo sabor vive apenas em minha memória, preocupando-me apenas de não esquecer de rebobinar a fita ao terminar a sessão.

devotudoaocinema.com.br - "Era Uma Vez no Oeste", de Sergio Leone

Era uma Vez no Oeste (Once Upon a Time in The West – 1968)

A trama é centrada em quatro protagonistas: a ex-mulher da vida Jill McBain (Claudia Cardinale), o bandido Cheyenne (Jason Robards), o pistoleiro de aluguel Frank (Henry Fonda) e um homem misterioso (Charles Bronson), que sempre traz consigo uma gaita. Os quatro acabam se cruzando quando Morton (Gabriele Ferzetti), um barão ferroviário, contrata Frank para afugentar Brett McBain (Frank Wolff), dono de terras que iriam valorizar consideravelmente com a chegada da ferrovia, e seus filhos.

A vastidão do cenário contrasta com a simplicidade dos planos iniciais, focando-se na troca de olhares entre três homens condenados. Viver no Velho Oeste era deparar-se com sua finitude todos os dias, o que fazia com que eles prezassem o único valor em sua existência: a honra. Nenhum deles sonhava com aposentadoria e dias pacíficos deitados em redes, ansiavam apenas um fim digno, pelas mãos de um pistoleiro nobre, que não acertasse pelas costas.

O diretor Sergio Leone elabora sua obra como uma solene dança da finitude, em que todos os personagens sabem que não chegarão vivos ao final, com exceção da vivida por Claudia Cardinale, que simboliza a “mãe” da modernidade. Diferente de muitos no gênero, em “Era uma Vez no Oeste” não se glorifica o fim de uma era. A linda trilha sonora de Ennio Morricone ressalta o pungente senso de nostalgia. Fica clara a necessidade de deixarmos para trás aquela realidade e “entrarmos no trem” que nos guiará ao mundo de hoje.

Neste cerimonial fúnebre, temos o personagem vivido por Charles Bronson como um elemento enigmático, destinado a trazer de volta àquele terreno inóspito (período de transição) a justiça da época de ouro do Oeste. A sua motivação é pessoal, mas a forma como seu personagem transita na trama simboliza um tipo clássico no gênero: o homem que vive à margem da sociedade, com total liberdade para se adequar ou não à modernidade.

Escolhendo adaptar-se à selvageria, pode procurar domá-la, mas assim que se estabelece um controle ou temporária paz, ele torna-se inadequado e desconfortável, o que o faz montar em seu cavalo e sumir no horizonte, quando não é eliminado dignamente em duelo neste processo. Shane (Alan Ladd em “Os Brutos Também Amam”), Ethan Edwards (John Wayne em “Rastros de Ódio”) e o Homem Sem Nome (Clint Eastwood na “Trilogia dos Dólares”) também representam esta simbologia.

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O personagem vivido por Charles Bronson chega de trem, sem carregar quase nada a não ser sua gaita (que descobrimos ao final ser de extrema importância simbólica), demonstrando uma sofisticação (sutil) que contrasta com a daquele povo. Em um curto diálogo com o personagem de Henry Fonda, ele chega a citar que seu inimigo é de uma “raça antiga” (ultrapassada). O seu expressivo silêncio aliado a estas características chegam a dar a impressão de que seu personagem não vive naquele mundo, quase que um elemento sobrenatural destinado unicamente a dar fim àquela sociedade, trazer o crepúsculo ao Velho Oeste.

A belíssima Claudia Cardinale é a “Eva” de um novo mundo. Leone explicita visualmente isto logo em sua primeira aparição, quando nos mostra a dimensão (com uma tomada de grua) da estação de trem, revelando uma cidade ainda em construção aos primeiros raios de sol, como se a chegada de sua personagem (Jill) tivesse iluminado aquele local.

O clímax é de uma beleza épica que arrepia até o mais moderado dos homens. Os envolvidos buscam a redenção, mesmo que esta seja mediante uma eliminação digna ou a simples constatação de que são figuras dispensáveis, operando em prol de um contexto maior.



Viva você também este sonho...

1 COMENTÁRIO

  1. Bela crítica e análise sobre o filme, essa Obra Eterna de Sérgio Leone! Suas palavras complementam a obra, revelando sutilezas emocionais, históricas e estéticas na arte de fazer Cinema!
    Abraços!

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