A Fantástica Fábrica de Chocolate (Willy Wonka and The Chocolate Factory – 1971)

Um garoto (Peter Ostrum) pobre ganha o direito de visitar a fábrica de chocolates do excêntrico Willy Wonka (Gene Wilder). Acompanhado por seu avô (Jack Albertson) e quatro crianças mimadas, ele vive aventuras inesquecíveis e aprende uma importante lição.

Tradição do “Cinema em Casa” no SBT em épocas natalinas, eu me lembro de ver a obra dirigida por Mel Stuart até na dominical “Sessão das Dez”, que as crianças da época consideravam um desafio a ser batido, os pais nunca deixavam a gente prestigiar a sessão, pois quase sempre passavam comédias brasileiras apelativas da década de 70 ou filmes bastante violentos. Como o filme era reexibido no mesmo dia em sequência, saudade dessa ingenuidade televisiva, o desafio supremo era manter-se acordado até o final da segunda exibição e ainda conseguir ir para a escola na manhã seguinte.

Claro que para cada “Willy Wonka”, haviam dez similares de “Histórias que Nossas Babás Não Contavam”, inesquecível Clara das Neves de Adele Fátima, o que justificava o temor dos pais, mas pouco nos importávamos em cometer esta transgressão. Recordo-me claramente da sensação ao descobrir que Gene Wilder estava na telinha, em como eu sentia fome sempre que o via caminhar dentro de sua fábrica de chocolates.

Era lei sair da frente da televisão e correr, com pernas menores, o que fazia parecer uma distância enorme entre o quarto e a cozinha, até a geladeira, pegar um copo de refrigerante e umas barras daquele chocolate “Surpresa”, que eu achava muito parecido com os do filme, voltar voando para o quarto e torcer, que linda ingenuidade, para que eu encontrasse o bilhete dourado dentro da barra de chocolate. Que frustração gostosa, sempre que encontrava aquelas cartelas com fotos de animais, somente para jogá-los atrás da cama e devorar o chocolate.

A mãe do Charlie, vivida por Diana Sowle, cantava aquela linda canção, na sempre competente dublagem da Herbert Richers, sobre perseverar no sonho, enquanto ele caminhava triste e solitário pelas ruas. Tudo o que ele queria era aquele bilhete dourado, que simbolizava para ele um mundo de esperança, o doce pouco importava. Ele o repartia entre seus familiares, que sofriam mais do que ele, pois eles sabiam o quanto o menino merecia vivenciar aquele sonho.

Algum dia, doce como uma canção, o seu dia de sorte irá chegar… Mas você precisa manter-se forte até lá, pois no topo é o seu lugar… Sinta-se feliz simplesmente por ser quem és”. Lágrimas rolam por meu rosto até hoje quando escuto essa canção. Essa ternura que o diretor Tim Burton soterrou em seu desfile de plumas e paetês, continua eficiente mesmo nos cínicos dias em que vivemos. Qual criança não persegue um sonho? Antes de deleitar-se no hipócrita mundo adulto e deixar de acreditar em contos de fada, para entregar-se a crenças muito mais ilusórias e menos recompensadoras.

Não existe vida que se compare à pura imaginação, liberdade genuína que nos inspira no diário exercício de viver. Wonka estava longe de ser um professor convencional, com seus métodos pouco ortodoxos, mas carregava em si uma chama que parece ter se extinguido no mundo. Valorizar as boas índoles, a nobreza de caráter. O que mais vemos hoje nesse mundo de valores invertidos é o coitadismo e seu extremo oposto: a malandragem. Premia-se aquele que mais puxou tapetes para conquistar seu objetivo, nivelando por baixo, aplaude-se uma sociedade de aparências, em que tudo é estrategicamente forjado.

A inocência e a pureza são vistos como falta de malandragem, você tem que saber jogar o jogo, não importa quão falido ele seja, mesmo que sua integridade seja destruída nesse processo. Hoje em dia, o pequeno Charlie receberia ao final do filme um tapinha nas costas e um sorriso debochado, seguido de algum discurso sobre como ele deveria ter ficado mais esperto nesse mundo globalizado. Tragam-me de volta aquelas barras de chocolate “Surpresa” e a crença em uma sociedade mais justa. Façam-me acreditar novamente em Willy Wonka.

Enquanto finalizo este texto, sou surpreendido por um brilho dourado que se insinua por baixo da minha cama. Será que deixei escapar algo dentre aquelas cartelas de outrora?



Viva você também este sonho...

2 COMENTÁRIOS

  1. Meu preferido! Gosto muito do Tim, mas o dele não chega aos pés deste!
    Além de eu amar Gene Wilder! Também devo muito de mim a alguns filmes! A alguns personagens! Alguns já estavam dentro de mim, antes de vê-los!

  2. Excelente análise desse filme que marcou as gerações dos anos 70/80/90, antes da versão histérica (e horrível) do Tim Burton.
    Só acrescentando, eu gostava de ver o filme comendo o Toblerone (que antigamente era caro, mas sem o preço de um rim).

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