Ed Wood (1994)

Se você já quis em algum momento de sua pré-adolescência pegar emprestada a câmera VHS de algum parente, chamar alguns amigos e transformar em imagens os seus sonhos, você com certeza irá se emocionar vendo este filme.

Ed Wood (vivido de maneira impecável por Johnny Depp) era um otimista inveterado, mesmo quando uma crítica destruiu sua peça teatral, ele salientou que ao menos os figurinos foram elogiados. O seu entusiasmo era inquebrantável, assim como seu desejo em ser como seu ídolo: Orson Welles. Em certo momento do filme, ele desabafa para sua namorada que fica preocupado em constatar que seu ídolo criou sua obra prima (Cidadão Kane) aos vinte e seis anos, enquanto ele já estava com trinta anos e ainda permanecia no anonimato. Após terminar sua produção “Glen ou Glenda?”, demonstra satisfação em ter feito como Welles: roteirizou, dirigiu e atuou em seu primeiro longa-metragem.

Em outro momento revelador do filme, presenciamos o jovem enquanto vê trechos de filmagem que seriam descartados de outras produções do estúdio. Para a surpresa do editor, ele afirma que seria capaz de realizar um filme inteiro, utilizando apenas aqueles trechos. Aos olhos dele, aquelas cenas representavam um tesouro inestimável, enquanto que para o experiente editor se tratavam apenas de minutos aleatórios, explosões na selva e um polvo que se contorcia no fundo do mar. Tim Burton nos apresenta duas visões: o editor (representando a visão dos estúdios, interessados apenas no lucro) e Wood (o apaixonado pela arte). Mais tarde, nos descobrimos vendo aquelas cenas inseridas nos filmes do jovem diretor, incluindo o polvo, que acaba se tornando o clímax de “Nasce um Monstro”.

Outro aspecto que a obra aborda de maneira brilhante é a relação entre Wood e Bela Lugosi (Martin Landau em momento inspirado). O excêntrico astro que em seu esplendor interpretou o conde Drácula na produção mais famosa dos estúdios Universal, já havia deixado seus dias de glória para trás, esquecido por seu público e com a saúde debilitada. Ao conhecer por acaso o jovem cineasta, encontra um fã dedicado e um fiel amigo, que busca ajudá-lo financeiramente colocando-o em todos os seus projetos. Nos olhos de Wood, Lugosi viu refletido o homem que ele já havia sido e o qual desejaria reencontrar.

devotudoaocinema.com.br - "Ed Wood", de Tim Burton, na STAR PLUS

Burton acerta ao inserir em uma cena uma potente crítica, quando Wood ajuda Lugosi a se internar como dependente químico em um hospital. O decadente astro era visto como um fantasma, um falecido ambulante pela imprensa da época, mas, assim que deu entrada no hospital, foi cortejado pelos flashes dos jornalistas mercenários, interessados em noticiar sua tragédia pessoal. O filme mais famoso de Wood, “Plano Nove do Espaço Exterior”, mostra a última participação de Lugosi em uma pequena cena. Wood então foi obrigado a utilizar um dublê para o restante da produção. O escolhido foi o quiroprata de sua namorada, que passa o filme inteiro cobrindo parcialmente seu rosto com uma capa. Burton recria estes momentos com muito humor e inteligência.

Mesmo tendo sido imortalizado sob a alcunha de “pior diretor de cinema do mundo”, Wood não acreditava estar realizando filmes ruins. Na maioria das vezes ele filmava apenas umtake, não por capricho, mas por puro desejo de seguir em frente, completar seu projeto. Analisando hoje, ele não estava errado, pois muitos diretores de técnica perfeita em sua época não são lembrados hoje em dia, enquanto ele mereceu até mesmo esta linda homenagem feita por Burton. O seu diferencial era o intenso amor pelo cinema, representado na bela cena em que ele se encontra casualmente com seu ídolo Orson Welles em um restaurante (algo que não ocorreu em sua vida real). O diálogo travado por eles simboliza perfeitamente esta relação.

“Ed Wood” é filmado em preto e branco e conta ainda com o fantástico Bill Murray, como um homem que planeja realizar uma cirurgia de mudança de gênero. Ele faz parte da equipe do jovem idealizador, composto ainda pela extravagante Vampira (apresentadora de um programa de terror na TV), o lutador greco-romano Tor Johnson e o paranormal charlatão Criswell. Atentem para a hilária cena em que o grupo precisa se batizar e se converter à religião de alguns potenciais financiadores.

Tim Burton nos mostra com esta declaração de amor à arte, os reais elementos que são necessários neste meio: paixão, otimismo e dedicação. Os terríveis e ameaçadores polvos podem não se mover, os discos voadores podem balançar em seus fios, cabines de avião podem não ter janelas, mas se houver um cineasta disposto a colocar seu coração à frente de qualquer ambição financeira, haverá cinema.



Viva você também este sonho...

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