Eu conheci a obra de Dostoiévski quando eu tinha 14 anos, lendo seu conto “Noites Brancas”. A leitura foi ininterrupta, tomou-me algumas horas da madrugada, à época ainda proibida, pois devia acordar cedo no dia seguinte e ir à escola (engraçado como sempre tive a convicção de que aprendi muito mais fora dela). Sentia-me preso àquela prosa tal qual a jovem Nástienka pelo fantasma de seu amor de outrora. Identifiquei-me imediatamente com a figura do sonhador sem nome, solitário e tímido, que ao encontrar a jovem chorando no parapeito do cais, aproxima-se e irreversivelmente nutre ternura por aquela bela figura.

Para ela, ele conta sua história, plena em ilusão (sua fuga da realidade) e sonhos. Durante quatro noites, os dois se encontrariam para conversar e preencher lacunas, mascarar carências com gargalhadas nervosas, consolarem-se mutuamente por suas tragédias pessoais: ela, por amar alguém do passado, e ele, por querer amá-la no futuro. Claro que não contarei o final desta linda história, que recomendo fortemente. Ao contrário das obras mais complexas de sua carreira (como “Crime e Castigo” e “Irmãos Karamázov”), este conto é perfeito para aqueles que ainda estão começando a se aventurar nas páginas deste gênio literário.

Aproveito o tema para contar algo curioso que ocorreu comigo na época em que li o livro pela primeira vez. Como já disse, era adolescente, fiz a besteira de indicar o livro para alguns colegas de turma, que estavam elogiando bastante um filme que haviam visto no “Cinema em Casa” alguns dias antes. Tratava-se de “O Último Americano Virgem”, um daqueles típicos exemplares adolescentes da época, mas com um diferencial interessante: além de uma bela trilha sonora (“Just Once” de James Ingram), exibia um caso de amor que possuía semelhanças com o do casal de “Noites Brancas” (pelo menos é o que eu achava na época). Quem viu o final do filme e leu o livro talvez concorde comigo.

De qualquer forma, achei interessante indicar o livro para eles, mas adivinhem o que aconteceu? Muito provavelmente eles nem se preocuparam em procurar o livro, mas conseguiram ver o filme de Luchino Visconti (“Le Notti Bianchi”), realizado em 1957 (com Marcello Mastroianni e Maria Schell). Alguns dias depois, praticamente fui encurralado no pátio da escola, sendo questionado por meus colegas devido ao meu “péssimo gosto”. Reclamavam que haviam perdido um precioso tempo vendo uma porcaria em preto e branco (enfatizavam o que para eles era o equivalente a uma tortura medieval), em que nada acontecia.

Ao que me consta, não chegaram a ver o filme todo. Eu, que naquela época ainda não havia visto a adaptação cinematográfica (de Visconti, apenas conhecia “Rocco e seus Irmãos”), fiz questão de alugar e, como esperava, adorei! Sempre que penso em Dostoiévski, recordo-me deste evento surreal e das semanas de chacota juvenil que eu tive que aguentar devido ao meu “péssimo gosto” cultural.

Sobre o filme, tenho ótimas recordações. Visconti suavizou tremendamente as nuances psicológicas do personagem masculino, negando-lhe o longo monólogo em que conta sua história. O que durava várias páginas foi adaptado para uma hilária cena em que Mastroianni e Maria dançam ao som do infante Rock and Roll. Outro momento que recordo com emoção é a frase (tirada do livro) com que Mastroianni define seu personagem: “Obrigado pelo momento de felicidade que me proporcionou.”

Difícil conter as lágrimas também com a bela analogia feita entre o sonhador e o velho cão de rua, os dois dispostos a dar atenção e carinho a todos os estranhos com quem cruzam nas ruas, mas destinados a terminarem solitários, como que esperando uma dona que nunca os socorre.



Viva você também este sonho...

1 COMENTÁRIO

  1. Rss, Octavio, tive de rir pela situação incômoda e rizível pela qual passou quando indicou aos seus amigos o livro e o filme "Noites Brancas". Sobre o livro, eu até entendo a rejeição, já que muitos espectadores não são leitores, mas para aqueles acostumados com o Cinema em Casa, as Sessões da Tarde e todos os vespertinos filmes juvenis, assistir a obra de Visconti provavelmente foi um baque tremendo porque devem ter tentado comparar ao dinamismo e às sacanagens divertidas pela qual passa o protagonista de "O Último Americano Virgem", rs… mas concordo que o entrelace amoroso nesse filme, se assemelha mesmo ao de Noites Brancas, trocando apenas a idade dos personagens envolvidos.

    Ótimo texto!

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