Eu considero Peter Sellers um ator que pertence a outro patamar artístico. Sua capacidade de transformação chega a ser assustadora, envolvendo não apenas a voz, como todo o seu corpo e mente. O próprio não sabia ao certo quem era, onde terminava o intérprete e iniciava o homem.

Imaginem a cena: Após tantos anos lutando para receber a aprovação da Academia, com uma indicação por um papel pelo qual lutou mais do que ninguém, Sellers aguardava com esperança o anúncio do vencedor do prêmio de Melhor Ator na cerimônia do Oscar. Ele acreditava tanto no personagem de “Muito Além do Jardim” (Being There – 1979), que durante vários anos esforçou-se em adquirir os direitos do livro para levá-lo para o cinema. Mandava semanalmente cartas para o escritor Jerzy Kosinski e o diretor Hal Ashby, emulando a maneira de falar do personagem e assinando em seu nome.

devotudoaocinema.com.br - O genial e inesquecível Peter Sellers

A realidade é que o ator, aos 38 anos e no auge de sua carreira, sofreu uma série de ataques cardíacos (treze em alguns dias) que permanentemente danificaram seu coração e o transformaram em um homem que corria desesperado para alcançar seus sonhos, no pouco tempo que acreditava ter em vida. Agarrava-se em qualquer crença que lhe prometia um amanhã melhor: tratamentos pouco ortodoxos, astrologia, curas espirituais, o que lhe desse conforto e reacendesse sua esperança. Em 1977, quando ainda aproveitava o carinho e a aceitação popular de seu personagem mais famoso, o inspetor Clouseau de “A Pantera Cor-de-Rosa”, sofreu mais um ataque cardíaco, que o deixou extremamente debilitado e dependente de um marca-passo. Afirmava ser o homem que mais havia ressuscitado no mundo.

Dois anos depois, sentia-se um sobrevivente e via no seu tão sonhado projeto, a última chance que teria de realizar sua ambição profissional. Sua saúde física já dava sinais de desgaste e seu temperamento tornava-se cada vez mais difícil, com picos de depressão profunda. Mesmo aparentando por fora ser um leão, um homem orgulhoso e dono de si, por dentro (psicologicamente) era como um rato que rugia, que ansiava pelo reconhecimento dos colegas de profissão e desejava muito uma prova tangível de que seus esforços tinham valido a pena. Incrivelmente autocrítico, odiava quase tudo que fazia. Basta ver “Muito Além do Jardim” para perceber a sua imensa dedicação. Aquele era seu testamento em vida, o legado que queria deixar para a próxima geração. Um personagem totalmente diferente dos que ele já havia feito ao longo da carreira.

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Peter e sua esposa, Lynn Frederick. (1980)

Na noite da cerimônia, o vencedor foi Dustin Hoffman por “Kramer Vs. Kramer”. Poucos meses depois, Sellers faleceria após mais um ataque cardíaco, aos 54 anos. Seu talento viverá para sempre e seu humor trará alegria a várias gerações no porvir, seja como o atrapalhado inspetor criado pelo diretor Blake Edwards nos filmes da franquia “A Pantera Cor-de-Rosa”, o chinês de “Murder by Death” (1976), o figurante indiano que foi convidado por engano para a festa de seu ex-patrão em “Um Convidado bem Trapalhão” (The Party – 1968) ou como o fascinante alemão Dr. Strangelove idealizado por Stanley Kubrick em “Dr. Fantástico” (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb – 1964).

Em sua extensa carreira, ficou famoso por interpretar múltiplos papéis em um mesmo filme e fazê-los de maneira tão distinta que chegava a assustar até mesmo seus colegas em cena. Em sua vida pessoal, travava diariamente uma penosa batalha interior, como ele mesmo um dia afirmou: “Se você me pedir para eu interpretar a mim mesmo, não saberei como fazer. Não sei quem ou o que sou.”



Viva você também este sonho...

1 COMENTÁRIO

  1. Belíssimo texto, Octavio… e considero Sellers um dos meus atores-comediantes FAVORITOS! Sua verve cômica explorada nos filmes de seu parceiro Blake Edwards, o lado histriônico que conseguiu exibir de maneira perfeita no filme do Kubrick e seu tocante jardineiro analfabeto, são as provas absolutas do talento desse grande mestre do Cinema.

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