A Condessa de Hong Kong (A Countess from Hong Kong – 1967)

Natascha, uma mulher da vida descendente da nobreza russa, e cuja família fugira para Hong Kong por causa da Revolução de 1917, conhece o empresário estadunidense Ogden Mears, quando seu navio aporta na cidade. Ela se esconde na cabine do empresário, pois pretende entrar escondida nos Estados Unidos. Inicialmente reticente, ele aos poucos aceita ajudá-la.

Esta obra é considerada menor na filmografia de Chaplin, usualmente ignorada pelos seus fãs e pela crítica em geral. De certa forma, compreendo a estranheza que muitos sentem em um primeiro contato, pois foi assim comigo.

A maneira como reagimos a um filme nasce de impulsos variados, difíceis de serem explicados. Quando nos sentimos entediados, pode não ser culpa do ritmo do filme, mas a simples consequência natural de uma ansiedade que ocupa nossa mente no momento em que deveríamos estar prestando atenção na trama. O medo de ter deixado o gás ligado na cozinha, algum compromisso que iremos honrar após a sessão ou uma preocupação familiar que não sai de nossas cabeças nem no momento de lazer.

Da mesma forma, por vezes podemos ficar apaixonados por um filme, independente de seus méritos técnicos e artísticos, mas apenas pela coincidência de termos visto ele em um dia especialmente feliz. Quem não recorda com emoção o primeiro filme que viu ao lado da pessoa que ama? O pior filme se torna um marco na vida daquele indivíduo. Podemos odiar um filme inteiro por causa da lembrança de uma única cena que nos causou revolta ideológica, ou lembrar ternamente de uma única cena boa, esquecendo o resto da trama. Mas aquele elemento que considero o mais prejudicial de todos é a expectativa.

Quando vi “A Condessa de Hong Kong” pela primeira vez, tinha acabado de conhecer todas as obras-primas clássicas do diretor. Tinha gostado bastante de “Monsieur Verdoux”, “Luzes da Ribalta” e “Um Rei em Nova York” e já antecipava profundamente o encontro do mestre com Marlon Brando e Sophia Loren, que captou a atenção do diretor com sua atuação em “Ontem, Hoje e Amanhã”, de Vittorio De Sica. Enquanto rebobinava o VHS, não conseguia aceitar a frustração. Hoje em dia, após muitas revisões, já o coloco no mesmo patamar dos três filmes anteriores, enxergando um diálogo contínuo com todos os seus projetos.

Chaplin afirmou publicamente que o considerava superior a “Luzes da Cidade”, tendo dificuldade em entender o critério utilizado pelos críticos da época. Ele acreditava que o tempo iria favorecer a obra aos olhos dos profissionais. Acho espetacular a sequência em que ele aparece, fazendo uso da pantomima ao espionar a personagem de Loren pelo buraco da fechadura. Também é fascinante testemunhar a genialidade na estruturação das cenas em que Brando reage fisicamente, em exagerado pastelão, às visitas inesperadas que tocam sua campainha. Não consigo conter o riso ao perceber a grande sacada autocrítica de Chaplin, fazendo piada com sua própria imagem pública como um homem de fortes convicções políticas, logo na primeira cena de Brando, vivendo um diplomata.

Ele está se preparando para ditar um discurso político aparentemente profundo sobre a paz mundial, quando é interrompido por uma batida na porta. O seu visitante (vivido pelo terceiro filho de Chaplin, Sidney) questiona debochadamente sua preocupação eterna em salvar o mundo, quando existe tanta coisa mais interessante acontecendo fora daquela sala. Poucos segundos depois, o visitante se surpreende ao avistar com seu binóculo um chinês em Hong Kong. O humor do mestre estava tão apurado quanto em seus dias como o pequeno vagabundo. Nem mesmo o ódio do protagonista por seu diretor, causa de vários conflitos ao longo das filmagens, atrapalha a eficiência do produto final.

O aparente desânimo real do ator acaba funcionando no arco narrativo de seu personagem. Os problemas efetivamente começaram já na pré-produção, com um combate de egos entre o agente de Brando e Carlo Ponti, que queria assegurar o nome da protegida em destaque nos créditos. Já nas filmagens, o método de interpretação de Brando entraria em conflito com o estilo de direção de Chaplin. O ator definiu sua participação como a de uma marionete, tendo até mesmo seus movimentos corporais em cena ditados pelo diretor.

O leitmotiv da dança como analogia para a vida, algo recorrente em sua filmografia, encontra sua simbologia mais evidente. A personagem de Loren evoca similaridades com o personagem do vagabundo, inclusive defendendo falas existenciais que caberiam perfeitamente nos intertítulos de sua contraparte silenciosa, outro aspecto que cresce em representatividade após várias revisões mais atentas. Não vejo o filme como o melancólico canto do cisne que muitos enxergam, mas um excelente exemplo de que o diretor estava em seu auge criativo, experimentando pela primeira vez com o cinema em cores.

A pena é que não havia mais tempo para que ele executasse sua arte com a mesma dedicação. Somente a finitude poderia parar o incrível talento de Charles Chaplin.



Viva você também este sonho...

1 COMENTÁRIO

  1. Exata essa crítica, Octavio Caruso!
    Chaplin era tão genial que sabia aproveitar bem a natureza dos atores.
    Brando o detestava. Chaplin sabia e devolvia a antipatia, mas jamais cogitou em substituir o ator. Chaplin, acima de tudo, respeitava as suas convicções! rsrs Brando, em sua total falta de educação, disse que Loren tinha buços e que tinha nojo de fazer cenas de beijos. Lógico, que isso afetou o relacionamento de ambos e colocou Chaplin em "saia justa", mas que o mestre utilizou sabiamente esse sentimento todo nas cenas iniciais. Cobriu Loren de mimos e elogios fazendo com que a grande atriz mostrasse o seu profissionalismo e talento.

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