O Rito (Riten – 1969)

Acusados de encenar uma peça proibida, três atores são interrogados por um juiz. Durante e entre os interrogatórios, os segredos mais íntimos de todos são revelados.

Esta produção feita para a televisão representa Ingmar Bergman em seu momento pessoal mais conturbado, existencialmente inseguro com as duras críticas negativas sobre suas peças, questionando a relevância de seus esforços no cinema e do teatro.

“O Rito” é a resposta visceral para a pergunta mais terrível que pode atormentar um cineasta: o cinema, como linguagem, realmente possui valor? Na tentativa de encontrar a resposta, ele se divide em três personas, artistas de comportamentos radicalmente diferentes, mas que estão sendo analisados como micróbios sem valor em um microscópio. A primeira cena já mostra a figura do interrogador (Erik Hell), um homem que não entende absolutamente nada sobre a função daqueles que pretende censurar, empunhando uma lupa.

Hans (Gunnar Bjornstrand) é a faceta dócil, organizada e disciplinada do diretor, enquanto Sebastian (Anders Ek) é a sua insegurança infantil, o desequilíbrio emocional. O poético é perceber como, em suas metáforas por vezes herméticas, o roteiro defende que o artista maduro no comando conscientemente entenda que, por mais imprevisível e perturbado que seja seu lado “Sebastian”, nasce exatamente dele o seu impulso criativo. E Thea (Ingrid Thulin) simboliza os seus medos intuitivos, aquela pequena parte dentro de todos nós que busca se agarrar a qualquer muleta ideológica, por mais absurda e irracional que seja, contanto que traga uma paz momentânea.

Ela é uma esponja emocional e busca a piedade dos outros, gosta de ser submissa, como é retratado na cena em que somos levados a crer que o interrogador está tentando abusar dela, quando na realidade a câmera nos mostra a jovem retirando tranquilamente sua roupa, contrastando com os berros angustiados que escutamos. Bergman é a união lúdica desses três personagens, este atrito constante de emoções tão antagônicas.

O ritual exposto como parábola no filme representa uma crença do diretor, uma forma de enxergar a arte como um rito de cura, algo quase mágico/religioso, uma troca pungente entre o artista e o público/sociedade. O elemento dissonante nesta relação é representado pelo personagem do censor, um homem hipócrita demais e sem coragem alguma para cogitar participar deste ritual. Ele enxerga sua mediocridade na entrega sincera dos artistas, exatamente por isto deseja humilhá-los, posar com eles nas manchetes dos jornais, como o responsável pelo descrédito de suas funções.

A faceta “Sebastian” em Bergman reconhece esta real intenção, tendo a impulsividade inconsequente de afirmar sua repulsa perante o homem, enquanto seu lado “Hans”, exímio na arte do jogo de cintura, em outro momento procura a saída mais fácil do suborno.

O roteiro nos mostra o que acontece quando escolhemos o caminho interno mais fácil, contrariando nosso caráter, quando o censor faz Hans assinar um cheque, somente para rasgá-lo em sua cara, com a câmera mostrando em detalhe o sorriso cruel pela momentânea vitória.



Viva você também este sonho...

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