À Sombra do Vulcão (Under The Volcano – 1984)

A obra original de Malcolm Lowry foi uma das experiências literárias mais perturbadoras que tive, o corpo ficava cansado a cada final de página. Após o tédio do primeiro capítulo ambientado um ano depois dos eventos mostrados, uma verdadeira provação até para leitores acostumados com um estilo mais denso, acabei entrando na mente do personagem, o cônsul britânico Geoffrey Firmin, praticamente ficando alcoolizado junto com ele, testemunhando seu último dia de vida no México.

O diretor John Huston comanda uma excelente adaptação, que já havia despertado o interesse de, entre outros, Orson Welles, Joseph Losey e Luis Buñuel, com o roteiro de Guy Gallo extraindo a essência do livro, sem o protagonista do já citado primeiro capítulo, M. Laruelle, mantendo o triângulo amoroso entre o cônsul (Albert Finney), sua esposa Yvonne (Jacqueline Bisset) e seu meio-irmão Hugh (Anthony Andrews), tendo o desafio de traduzir em imagens a intensa prolixidade do autor ao, no melhor estilo James Joyce, detalhar os efeitos desastrosos do álcool na mente de uma pessoa.

O mérito vai todo para a espetacular atuação de Finney, que alterna diferentes níveis de torpor, sutilmente revelando características do personagem, já que a narrativa não é interrompida por flashbacks, monólogos internos ou qualquer forma de exposição. Conseguimos enxergar em sua nobre vestimenta, sua armadura no passeio vespertino, a dignidade perdida no passado.

A fotografia de Gabriel Figueroa ajuda, com a opção pela superexposição, a reforçar a sensação de sufocamento que envolve os personagens, reduzidos aos seus impulsos básicos, como se a câmera transpirasse por causa do calor. Ao perceber que sua esposa retornou, interrompendo sua divagação ébria no bar, Firmin checa várias vezes, até que sua mente acredite que aquela bela figura não é apenas uma ilusão brotada de seu desespero.

Esta atitude, assim como sua cena cômica no banheiro, denota claramente uma modificação estrutural na adaptação: o personagem é um tolo, bonachão, alguém que exibe, por baixo de todo o seu humilhante estado, as características de um homem gentil e carinhoso, humanizando sua contraparte literária. Ele está obstinado em sua jornada de autodestruição, amargurado com a traição das duas pessoas que mais amou: sua esposa e seu meio-irmão. O seu objetivo maior, seu triste sacrifício, sua descida ao inferno, serve como punição para eles.

O constante anestesiar, a supersensibilidade que sucede os tremores da dependência, a faustiana perda da inocência às vésperas da Segunda Guerra Mundial, elementos que vão elucidando, em revisões, o quebra-cabeça cheio de simbolismos proposto pelo autor, e complementado por Huston.



Viva você também este sonho...

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