Os Picaretas (Bowfinger – 1999)

Sendo um produtor/diretor de cinema independente, eu me identifico profundamente com a angústia do personagem vivido por Steve Martin, Bobby Bowfinger, um sonhador que cria as próprias oportunidades, utilizando os recursos disponíveis.

O roteiro escrito pelo ator é, de fato, por trás de todas as sequências hilárias, uma declaração de amor aos cineastas independentes. “Chubby Rain” (gotas de chuva gordinhas), invasão de alienígenas em gotas de chuva, conceito absurdo pensado por um contador sem experiência na área, que, aos olhos de um desesperado falido, simboliza um oceano de possibilidades criativas.

O problema é que o protagonista, o astro internacional Kit Ramsay, não pode saber que está sendo filmado e que fará parte do filme. É quando a trama encontra a solução em uma crítica maravilhosa à cientologia criada pelo escritor L. Ron Hubbard, seita tola defendida no mundo real por nomes como Tom Cruise, John Travolta e Will Smith, uma prova de que dinheiro não aprimora a inteligência do indivíduo. Eddie Murphy, em seu último grande papel cômico, homenageia novamente Jerry Lewis ao abraçar duas personas radicalmente opostas, o arrogante astro de cinema e seu irmão Jiff, tímido, desajeitado e ingênuo.

Quando o riso é causado ao colocar sapatos femininos nas patas de um cão, artifício encontrado para criar a ilusão que será montada na sala de edição, você pode enxergar uma gag visual simplória, mas, na realidade, a ação sintetiza a mágica do cinema, arte que nasceu de um acidente técnico, evoluiu anos depois com Méliès descobrindo no susto que a edição poderia operar truques, até cair nas mãos dos russos, que revolucionaram a narrativa visual pela montagem.

Bowfinger une a gravação anterior da atriz solitária na locação com a cena do cão seguindo o astro que ignora estar sendo filmado, típico material que faria Ed Wood vibrar, basta lembrar o que ele fez com Bela Lugosi em “Plano 9 do Espaço Sideral”, inserindo um sósia escondendo o rosto para não desperdiçar os segundos que já haviam sido gravados antes de seu falecimento.

A equipe reunida para esta missão não tem qualquer conhecimento básico sobre o tema, o diretor resgata alguns imigrantes ilegais mexicanos na fronteira, convoca uma jovem (Heather Graham) que está disposta a se deitar com todos os profissionais envolvidos no projeto, uma tragédia anunciada. É picaretagem passional, o sentimento que guiou nomes como Jess Franco e os genéricos de Bruce Lee na década de 70, força que move atualmente cineastas como Kevin Smith, gente que verdadeiramente ama o que faz e que não se permite ser impedida de trabalhar por qualquer motivo.

“Os Picaretas” é uma das melhores comédias da década de 90. Veja, nem que seja apenas pela impagável sequência em que Jiff precisa atravessar correndo a autoestrada, acreditando que os carros são dirigidos por dublês. Ao chegar do outro lado, já traumatizado para o resto da vida, ele precisa escutar Bowfinger pedir mais uma tomada. Tudo pelo amor ao cinema.



Viva você também este sonho...

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