Os Deuses Malditos (La Caduta Degli Dei – 1969)

Eu lembro vividamente de quando, na fase de transição entre a infância e a adolescência, escutei pela primeira vez sobre o holocausto. A minha mente não conseguia acreditar que algo tão absurdamente cruel tivesse acontecido. Como toda criança, eu superestimava a inteligência dos adultos. Como é possível? O povo alemão abraçar as loucuras ideológicas de Hitler não entrava na minha cabeça. E a professora na época alertava que era necessário mantermos vigilância para que isto não acontecesse novamente. Sem pensar duas vezes, afirmei internamente: Impossível!

Hoje, analisando lucidamente o comportamento de manada de grande parte do povo brasileiro ao debater política, esta propensão asquerosa ao apedrejamento, estimulado por formadores de opinião tolos que ganham fama na internet com vídeos em que satisfazem a necessidade de inseguros por autoafirmação, enxergo perfeitamente a natureza do mal, o ovo da serpente.

A rápida escalada autoritária e valores fundamentais invertidos, elementos perigosos nas mãos de analfabetos funcionais. Imagine o que um líder carismático de índole ruim e com uma ideologia torta faria com tal coletivo barulhento de zumbis. Se a sociedade não acordar logo, estamos condenados a repetir o sombrio passado em um futuro próximo. É por isso que uma das primeiras medidas de qualquer regime totalitário é incendiar o passado, apagar os rastros.

Luchino Visconti trabalha estes temas em “Os Deuses Malditos” com aquela ferina elegância usual em sua carreira, alcançando o tom psicologicamente apocalíptico do “Saló” de Pasolini, utilizando como força motriz provocadora a frieza contemplativa de quem se depara com o abismo e sorri consciente de que não há redenção.

Utilizando como alegoria a decadência de uma família alemã que se corrompe por ganância, encontrando na máquina hitlerista terreno fértil para extravasar a maldade que escondiam sob o verniz da alta sociedade, o roteiro prima por vasculhar a raiz do problema, ao invés de simplesmente retratar o poder de sedução do partido político, o texto joga luz nos indivíduos, evidenciando o processo doentio que permite a absorção de sistemas repugnantes, o interesse pequeno por poder e glória sem esforço que faz com que pessoas comuns se tornem monstros, cobras autofágicas sem bússola ética.

A trilha sonora de Maurice Jarre pontua de forma debochada esta grandiosidade ilusória e cafona inerente aos personagens. No elenco, Ingrid Thulin, Helmut Berger, Charlotte Rampling, Dirk Bogarde e Florinda Bolkan, um grupo que se despe existencialmente para as câmeras.

A fotografia de Pasqualino De Santis e Armando Nannuzzi garante uma qualidade etérea que insinua o desapego como leitmotiv, afinal, a barbárie moral na trama envolve traições, figuras sem escrúpulos que perderam o senso de identidade, todo tipo de absurdos. Referências são feitas a alguns episódios históricos, como o expurgo na Noite das Facas Longas ocorrido em 1934, com os Essenbeck na narrativa representando os Krupp. O ditador não pensa duas vezes antes de cuspir naqueles que o ajudaram a conquistar seu posto, ele liquidou a SA, a milícia paramilitar. A sequência da bebedeira que simboliza este momento é o ponto alto do filme.

Se ao final da sessão você concluir que se trata de uma página virada na História, olhe com mais atenção ao seu redor, os sinais são claros, perceba como tentam controlar a internet, apagam o passado e perseguem as crenças religiosas (a fé é o elemento que vence o medo, instrumento necessário no processo de submissão). A liberdade está sempre no fio da navalha…



Viva você também este sonho...

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