Dersu Uzala (1975)

O capitão Vladimir Arseniev (Yuri Solomin) é enviado pelo governo soviético para explorar e reconhecer as montanhas da Mongólia, juntamente com uma pequena tropa. Na expedição eles encontram Dersu Uzala (Maksim Munzuk), um caçador que vive apenas nas florestas. Percebendo que Dersu conhece bastante o local, o que pode facilitar o trabalho, o capitão lhe oferece que acompanhe a tropa até o término da missão. É o início de uma forte amizade entre o capitão e Dersu, que aos poucos demonstra suas habilidades.

Obra literalmente arrepiante. Eu conheci na época de garimpo adolescente, VHS da Globo Vídeo, consigo lembrar com exatidão a minha reação ao final da sessão, os olhos molhados, lágrimas cruzando meu rosto, uma melancolia profunda, vontade de viver aquela aventura, conhecer o protagonista, símbolo máximo de pureza e bondade, e compartilhar de sua sabedoria. Assim como o personagem do capitão no desfecho de sua jornada ética, chorei por constatar que aqueles valores representados pelo protagonista são insubstituíveis. “Dersu Uzala” foi um dos meus primeiros contatos com a filmografia de Akira Kurosawa, cartão de visita precioso.

O único projeto que o diretor realizou fora do Japão, uma resposta criativa para o período mais complicado de sua vida profissional. A televisão tomava conta do mundo, os seus filmes anteriores naufragavam nas bilheterias, o prejuízo em “Dodeskaden – O Caminho da Vida”, cinco anos antes, abalou profundamente sua segurança, Kurosawa tentou o suicídio. O colega diretor soviético Sergey Gerasimov, incapaz de aceitar que um nome tão importante para a história do cinema fosse abandonado no crepúsculo da vida, ofereceu uma coprodução com a Mosfilm e, apesar de inicialmente considerar um passo muito arriscado, o mestre japonês aceitou a proposta que garantia a ele total liberdade artística.

O livro escolhido para a adaptação era pouco conhecido até mesmo entre os russos, mas ele já havia tentado filmar uma versão da história anos antes, a mensagem transmitida pelo livro autobiográfico de Vladimir Arsenyev falava diretamente às suas crenças humanistas mais arraigadas, a integração do homem com a natureza, a beleza na velhice e a importância da amizade.

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O tom é contemplativo, sereno como o aprendizado legítimo, o ritmo é lento, porém, nunca entediante. Somos cativados pelos personagens e encantados pelo cenário. Como não se apaixonar pela nobreza de Dersu na sequência ambientada na cabana na floresta? Após utilizar aquele local para descanso, o homem faz questão de consertar o teto e pedir uma caixa de fósforos e mantimentos não perecíveis ao capitão, recursos que serão abandonados, já que ambos estão de partida.

O indivíduo que se considerava civilizado, levado a crer pelas medalhas de latão no uniforme que era superior ao selvagem, coerentemente questiona aquele gesto que considerava, no mínimo, totalmente desnecessário. O simpático nômade, na mais leve simplicidade, afirma que esta ação impediria que outros, aqueles que irão buscar no futuro o mesmo conforto na cabana, morressem de fome e frio. A cena sintetiza a grandeza do pequeno ancião, alguém que carrega valores íntegros e uma generosidade admirável. Somos levados então a enxergar que o respeito só é conquistado genuinamente pelas atitudes sinceras, não por qualquer senso de hierarquia artificial. Dersu ensina pelo exemplo que a única coisa que importa na vida é o legado.

O filme, primeira experiência do diretor filmando em 70 mm, foi um tremendo sucesso de público e crítica. Kurosawa conseguiu provar seu valor, conquistando o respeito de uma nova geração de cinéfilos pelo mundo. “Dersu Uzala” recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas quem ganhou o prêmio mais importante foi o público, que, graças à atitude generosa de Gerasimov, estendendo a mão para um homem desesperançado que desejava a morte, seria presenteado nos anos seguintes com os esforços finais do mestre: “Kagemusha”, “Ran”, “Sonhos”, “Rapsódia em Agosto” e “Madadayo”, uma sobrevida cinematográfica de valor inestimável.

Cotação: devotudoaocinema.com.br - "Dersu Uzala", a lição valiosa de Kurosawa sobre a importância do legado



Viva você também este sonho...

15 COMENTÁRIOS

  1. A filmografia de Akira Kurosawa é muito grande e diversificada, acredito que assisti a maioria deles, mas, sem duvida, o filme mais tocante e belo desse mestre foi Dersu Uzala!!! Uma bela ode de respeito à natureza e à amizade! Quantas vezes mais a gente assiste, novos detalhes aparecem. A cena da construção da cabana de palha na tempestade de neve foi épica também! Parabéns pela sua crítica tocante e humana. Virei seu fã!!!

  2. Eu assisti todos os Filmes de Akira.Genio. Akira Kurosawa Leão de Ouro no Festival de Veneza, com o filme Rashomon. Eu tive um livr sobre seu filme HAN, onde mostrava suas pesquisas de vestimentas de época, etc Perfectionista e meticuloso ele desenhava seu storyboard ! Em Dersu ele mostra preocupações ecológicas comoventes que extrapola amizade do mongol mateiro, guia e um comandante russo.
    Perdão se me empolguei no comentário. Devo dizer que a sua síntese foi perfeita. Parabéns! Daniel

  3. Tudo neste filme é sublime, sejam a história, os cenários e paisagens, a interpretação dos atores, a direção, fotografia, etc.
    Na época do lançamento assisti ele no cinema, TELONA mesmo, experiência e tanto, que faz parecer até pecado assistir numa TV, por grande que ela seja; como for, foi numa TV, e pequena, que revi este filme recentemente.
    Se tivéssemos no nosso sistema educacional uma grade de filmes de assistência obrigatória, creio que “Dersu Uzala” seria um deles.
    Duas pequenas correções, se me permite, uma é que o filme ocorre na época czarista, por tanto creio que não corresponde dizer que o “governo soviético” foi o que enviou o capitão; a outra é que o filme transcorre na Sibéria, e não na Mongólia.

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