Amor Até às Cinzas (Ash is Purest White – 2018)

Datong, China, 2001. Uma bela e jovem dançarina chamada Qiao (Zhao Tao) está apaixonada por Bin (Fan Liao), um criminoso local. Durante uma briga entre gangues rivais, ela dispara para proteger seu namorado. Mas isso lhe dá cinco anos de prisão. Após sua liberação, ela vai procurar Bin para tentar começar tudo de novo.

O roteirista/diretor chinês Jia Zhang-Ke é um dos mais consistentes de sua geração, apesar de ainda não ter sido devidamente abraçado pelo público em geral. Gosto bastante de “Em Busca da Vida” (2006) e “As Montanhas se Separam” (2015), mas considero que “Amor Até às Cinzas” é, com folga, o seu melhor trabalho até o momento, especialmente por se render com segurança no terceiro ato ao sentimentalismo, quebrando a frieza usual de seu estilo.

Logo nos primeiros minutos, um plano geral exibe o contraste absurdo entre a China elegante, confortável, arquitetonicamente rica, e a maioria de desamparados que sobrevive na área próxima, leitmotiv que se reflete na forma como o roteiro trabalha a relação entre Qiao e Bin, atravessando vários anos, diferentes contextos sociais, com a fotografia do francês Éric Gautier (ousadamente alternando Mini Dv, HD, 2K, 4K, 35mm e 5-6K, representando também o desenvolvimento psicológico da protagonista), figurino e cabelo/maquiagem sensorialmente preenchendo as lacunas de informação para o espectador. O desempenho impressionante da bela Zhao Tao, esposa do diretor, facilita para o público absorver emocionalmente a experiência conscientemente lenta, contemplativa.

A primeira metade da obra é tonalmente bastante diferente, somos apresentados ao submundo como um terreno pisado por indivíduos existencialmente fortes, com senso de honra próprio, leis próprias, há proposital glamourização na fachada frágil em que a jovem opera, enxergando-se envaidecida como o pilar que sustenta o chefão, o homem que ama. O segundo ato, após a inteligente subversão das convenções dos filmes de gângsteres da clássica Hollywood, ganha toques bem dosados de humor. O escopo narrativo pode ser complexo, mas o que realmente interessa ao realizador é discutir o que significa verdadeiramente amar alguém sem concessões, sem ilusões e, principalmente, sabendo lidar com o inesperado.

Assim como o povo esquecido à própria sorte, que serve de moldura na jornada da mulher, ou as tradições que vemos sendo abandonadas na transição temporal para o moderno mundo tecnológico e interativo, aquele que ama precisa aceitar a dura realidade, aprender a se adaptar e fazer da dor um alicerce para seguir em frente.

Cotação: devotudoaocinema.com.br - Crítica de "Amor Até às Cinzas", de Jia Zhangke



Viva você também este sonho...

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