DECAMERON (Il Decameron – 1970)

Baseando-se em episódios extraídos do clássico Decamerão (1348-1353), do italiano Giovanni Boccaccio, Pasolini tece, com muita poesia e erotismo, um divertido, sensual e popular mosaico da Idade Média no primeiro filme de sua Trilogia da Vida, abordando também as desigualdades sociais e a corrupção religiosa do período. Vencedor do Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim.

O meu favorito da trilogia, Pasolini criticando debochadamente a hipocrisia da sociedade e expondo a fragilidade do véu ritualístico que é a estrutura das religiões institucionalizadas. É curioso (e corajoso) que este passo criativo tenha sido dado pouco tempo após o sucesso de “O Evangelho Segundo São Mateus”, que foi elogiado pelo Vaticano.

Ao dar o tom descontraído neste projeto inicial da sua reinterpretação de obras fundamentais da literatura antiga, injetando seu estilo anárquico, utilizando pessoas do povo sem experiência cênica, ele compõe um retrato grosseiramente patético, logo, realista, do comportamento humano diante das pulsões primitivas de sexo (Eros) e morte (Tânatos). Os segmentos são hilários, gosto principalmente dos dois primeiros, protagonizados pelo azarado Andreuccio e o sortudo Masetto. O primeiro, ludibriado por uma bela mulher que o deixa literalmente na m(*), o segundo, destinado a satisfazer pelo resto de sua vida os desejos pecaminosos das freiras de um convento.

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OS CONTOS DE CANTERBURY (I racconti di Canterbury – 1972)

Baseando-se em histórias do popular Os Contos de Cantuária (1387-1400), do inglês Geoffrey Chaucer, Pasolini compõe, de forma bastante livre, um hino de amor à vida, criando imagens mágicas e rústicas a fim de criticar o moralismo vigente na sociedade de sua época. Um filme político e humanista que merece ser redescoberto. Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim.

A crítica ao moralismo castrador da sociedade segue forte, a dicotomia entre o sagrado e o profano, mantendo a estética descompromissada e conscientemente irresponsável como terreno para os personagens evidenciarem o aspecto patético das situações. Esta naturalidade agrega à imersão do público, que quase consegue sentir o cheiro desagradável dos cenários, você termina a sessão e pensa em imediatamente tomar um banho. Há mais nudez, sempre filmada com um olhar libertário, desprovido de teatralidade, mas o equilíbrio de qualidade entre as histórias da antologia não é tão bem azeitado, algo que acaba potencializando a sensação de repulsa, culminando no redentor desfecho, a visão única (inesquecível) de Pasolini para o inferno.

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AS MIL E UMA NOITES (Il fiore delle mille e una notte – 1974)

Baseando-se em contos de As Mil e Uma Noites, marco da literatura folclórica do Oriente Médio e do sul da Ásia, Pasolini conclui sua Trilogia da Vida acompanhando a trajetória do jovem Mur-el-Din, que é iniciado no amor por sua escrava Zumurrud. O diretor italiano mergulha nas locações e na cultura popular da região, construindo um fascinante filme etnográfico. Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes.

Analisado sozinho, pode não causar grande impressão, mas inserido no contexto da trilogia, este terceiro filme reforça o discurso que o diretor martela com mão firme desde o primeiro, desta feita com orçamento visivelmente maior, dadas as locações no Irã, Índia, Etiópia e Nepal, elemento que garante exotismo que cabe como luva na temática. As histórias agora são entrelaçadas, coerente ao material literário original, trabalhadas com uma crueza menos latente, sobrando espaço até para desvios de sutil poesia e, por incrível que pareça, doçura.

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