Um Herói (Ghahreman – 2021)
Rahim (Amir Jadidi) está preso por causa de uma dívida que não conseguiu pagar. Durante uma condicional de dois dias, ele tenta convencer seu credor a retirar a queixa, caso ele consiga pagar parte do que deve. Porém, as coisas não saem como planejadas. A sua namorada secreta, Farkhondeh (Sahar Goldust), encontra uma bolsa perdida na rua cheia de peças de ouro, evento que muda completamente o seu destino.
Eu gosto muito do trabalho do diretor iraniano Asghar Farhadi, “A Separação” (2011) é impecável, entrou na minha lista daquele ano, mas seus últimos filmes não me encantaram, principalmente “Todos Já Sabem” (2018), que considero bastante fraco, faltava nestes projetos a fagulha criativa que, felizmente, ele resgata em “Um Herói”.
O roteiro, como de costume em suas obras, apresenta ao público uma situação ambígua, um cenário em que não há uma definição precisa de bem e mal, certo e errado, convidando à reflexão sobre um mundo realista e complexo, inserindo elementos na trama que mantém os personagens em ação, esquivando-se da abordagem umbilical e arrastada que se poderia esperar, ao se analisar friamente a aparente simplicidade do conto moral proposto: É possível se fazer uma boa ação mesmo sob falsos pretextos? Se sim, ela ainda pode ser considerada “heroica”? Qual é o papel negativo das redes sociais, que adestraram a massa ao julgamento imediatista, a grotesca “cultura do cancelamento”, neste contexto?
O ritmo é ágil, com reviravoltas espertamente executadas, a tensão é de roer as unhas, enquanto testemunhamos o protagonista perder totalmente o controle de sua própria vida. A câmera facilita a imediata identificação emotiva, já que acompanha Rahim numa estética documental, viajamos ao lado dele, quase sentimos os odores das ruas de Shiraz.
O prazer da observação só se enriquece em revisões, agregando camadas de interpretação às atitudes dos personagens, e, vale ressaltar, a percepção sobre quem está certo também se modifica várias vezes, uma linha tênue que corajosamente desafia o espectador, que pode compreensivelmente terminar a sessão acreditando que o melhor caminho para ele teria sido simplesmente ficar com a bolsa e usufruir financeiramente de seu conteúdo. A vida em sociedade está se tornando rapidamente algo tão insuportável, que a ideia de retornar à prisão, para o protagonista, passa a ser mais confortável.
“Um Herói” é, em essência, um exercício hitchcockiano do excelente diretor Asghar Farhadi.
Cotação:
- A obra acaba de estrear nas salas de cinema, mas, caso a sua esteja exigindo, não avalize a grotesca segregação pelo “passaporte sanitário”, em muitas cidades já acabou esta palhaçada vergonhosa. No jogo da vida, escolha sempre ser o judeu, nunca o nazista.