Críticas

“O Ciclo do Pavor”, de Mario Bava

O Ciclo do Pavor (Operazione Paura – 1966)

No século XIX, médico é chamado a um pequeno vilarejo para fazer autópsia em mulher que morreu sob estranhas circunstâncias. Instigado pelo mistério da morte e pela suspeita de ter sido provocada por um ritual, começa a investigar o caso por conta própria e se depara com uma inimaginável maldição.

Eu posso citar duas cenas, das várias espetaculares na trama, que justificam a presença deste filme em qualquer lista respeitável de melhores do gênero. 1) O momento em que a pequena Melissa, vivida pelo garoto Valerio Valeri, induz outra jovem ao suicídio, representado na imagem que emoldura a postagem. 2) A sequência onírica em que o protagonista, o médico vivido por Giacomo Rossi-Stuart, percebe que está perseguindo a si próprio num ambiente que se repete a cada atravessar de uma porta. Aliás, vale ressaltar que esta cena impressionante serviu de inspiração para o clímax de “Twin Peaks”, de David Lynch.

Em outros aspectos da trama, como a relação da baronesa com sua filha falecida, podemos notar a inspiração para o primeiro “Sexta-Feira 13”. É fácil notar também a influência da atmosfera deste, com a batalha entre o racional/médico e o sobrenatural/superstições, em “O Homem de Palha”, de 1973.

Filmado em apenas doze dias, com pouquíssima verba, o mestre italiano Mario Bava consegue estabelecer um clima gótico de intensa inquietação, acertando ao apostar na sutileza, o medo que é sugerido na cena e alimentado na imaginação do espectador. É incrível a facilidade com que a fotografia nos insere numa espécie de limbo temporal, indefinido, tornando a subversão desse tempo, no terceiro ato, totalmente desconcertante para os personagens e para o público. O detalhe da bola da menina sendo usado como totem de sua presença, como na ótima cena da escadaria em caracol, é um exemplo perfeito de como esconder o monstro é sempre mais eficiente.

Federico Fellini prestou atenção nesta obra, copiando a imagem da menina fantasmagórica em “Histórias Extraordinárias”, de 1968. Por mais que muitos acreditem que foi uma homenagem, o próprio Bava afirmava, com ressentimento, que havia sido plagiado.

Como o orçamento acabou antes das filmagens acabarem, o diretor precisou utilizar trechos das trilhas de seus filmes anteriores, algo que trabalhou a favor do resultado, acentuando o clima de estranheza, um pesadelo elegante. Como esquecer a câmera em pêndulo, logo no início, refletindo o balançar da menina que, onisciente, vigia os habitantes do vilarejo amaldiçoado?

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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  • Tive o prazer de adquirir a coleção "Obras-primas do terror", que já está no terceiro volume. Esta semana assisti "O ciclo do pavor" e "Lisa e o diabo". Gostei demais de ambos. As cenas que você citou do primeiro são fascinantes, e "Lisa e o diabo" não me sai da cabeça! Muito bom texto!

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