Críticas

“Fúria Sanguinária”, de Raoul Walsh, com JAMES CAGNEY

Fúria Sanguinária (White Heat – 1949)

O excêntrico líder de gangue Cody Jarrett vive à sombra da mãe, planejando crimes enquanto tem dores de cabeça lancinantes. Após um roubo de trem sem sucesso, as autoridades plantam na cela de Cody um policial à paisana que acaba o ajudando.

James Cagney interpretava de forma intensa, com rompantes imprevisíveis, e, dentre todos os seus papéis, o gângster Cody Jarrett foi seu momento mais inspirado, exalando magnetismo em cada cena.

A direção sempre competente de Raoul Walsh consegue transformar um roteiro sem inovações em um produto que se destaca no gênero, impondo um ritmo envolvente desde os primeiros minutos. É o filme que serviu de diapasão para todas as obras posteriores no tema, sendo inspiração para o “Scarface” de Brian De Palma, mais do que o próprio homônimo original, dirigido por Howard Hawks.

Um dos elementos mais interessantes, que é potencializado pela excelência da atuação de Cagney, é que o protagonista não é o bandido clássico do gênero, mas sim, um psicologicamente frágil e cruel filhinho da mamãe, cujas atitudes debochadas e sádicas, como quando humilha sua vítima após o crime, demonstram a violência excessiva como compensação inconsciente de sua insegurança/imaturidade. Virginia Mayo vive a femme fatale, esposa de Jarrett, a loba em pele de cordeiro, que, sem que ele sequer desconfie, foi a responsável pelo ato mais brutal no roteiro.

Os personagens que representam a lei, os heróis, representados especialmente pelo policial vivido por Edmond O’Brien, não tem brilho, agem invariavelmente como covardes, até desleais. O roteiro direciona a simpatia do público para o vilão, alguém que age sem remorso, porém, que demonstra alguma coerência, tendo a violência como única ferramenta de expressão. O nível de brutalidade, aproveitando o declínio da censura do Código Hays, um dos responsáveis pelo longo silêncio no subgênero gângster, captado na fotografia de Sidney Hickox, de “À Beira do Abismo”, emoldura o cinismo constante dos diálogos.

Após o falecimento da mãe, o protagonista se descontrola, reage como uma criança, o gatilho para o seu abraço definitivo na insanidade. O que conduz ao tenso e famoso desfecho, envolto em chamas, em que o personagem, num ato simbólico e debochado, resignado com a finitude, o desligamento definitivo de um mundo doente, busca a aprovação materna em uma última afirmação de liberdade das amarras morais da sociedade.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

Recent Posts

Crítica nostálgica da série “Duro na Queda” (1981-1986), com LEE MAJORS

Duro na Queda (The Fall Guy - 1981/1986) As aventuras de um dublê (Lee Majors)…

1 dia ago

Crítica de “O Dublê”, de David Leitch

O Dublê (The Fall Guy - 2024) O dublê Colt Seavers (Ryan Gosling) volta à…

1 dia ago

10 ótimos filmes que desafiam a sua mente

Se você conseguiu manter sua lucidez nos últimos quatro anos, enxerga claramente o estrago que…

2 dias ago

PÉROLAS que ACABAM de entrar na NETFLIX

Eu facilitei o seu garimpo cultural, selecionando os melhores filmes dentre aqueles títulos que entraram…

3 dias ago

Sétima Arte em Cenas – “O Último dos Moicanos”, de Michael Mann

O Último dos Moicanos (The Last of The Mohicans - 1992) No século 18, em…

4 dias ago

“Star Trek Continues” (2013-2017), de Vic Mignogna

Você, como eu, ama a série clássica de "Jornada nas Estrelas"? E, como qualquer pessoa…

5 dias ago