Enquanto no século XX alguns dos principais sucessos foram as chanchadas, atualmente os dramas e comédias têm ganhado mais espaço. A que isso se deve?

Octavio Caruso (OC): As chanchadas da Vera Cruz, Atlântida, Cinédia, Herbert Richers, eram elegantes tentativas de emular a fórmula dos musicais norte-americanos, e, com isso, através da prática, melhorar nossa produção e fazer, na medida do possível, milagre com os poucos recursos. Infelizmente, com o endeusamento de Glauber Rocha pelos acadêmicos inseguros e o Cinema Novo, todos estes esforços anteriores foram irresponsavelmente depreciados, tidos como “fitinhas menores”.

O resultado disso, quando as fragilidades estéticas e narrativas deste movimento, que plagiava a Nouvelle Vague francesa e o Neo-Realismo italiano, foram ficando cada vez mais expostas, com o público rejeitando estas “egotrips” em favor de filmes populares, ou preferindo ficar em casa vendo televisão, foi um abismo criativo que durou muitos anos. Nas últimas décadas é que, ainda combalidos, tentamos começar do zero. E esta investida na comédia é sinal de que os engravatados estão começando a aprender com seus erros. Os filmes de comédia da Globo Filmes são a nova chanchada, com mais recursos e um “poder de fogo” (inclusive de divulgação) incomparável. Não se faz indústria de cinema com antídotos para insônia.

Quem nasceu nos anos 1980, 1990, ouvia de seus pais que o cinema brasileiro se resumia a “sexo e palavrão”. Atualmente estamos bem longe desse estigma. Como foi essa evolução?

OC: Eu sou de 83, corroboro esta informação (risos). O cinema nacional naquele período se voltou para a única coisa que sempre vendeu muito bem no país: sexo. Agora, analise comigo, na Itália do pós-guerra, destruída, desesperançada, os cineastas se reuniram e fizeram filmes de baixíssimo orçamento, utilizando pessoas do povo nos elencos, criaram poesia com a dor, obras imortais como “Ladrões de Bicicleta”, “Alemanha, Ano Zero”, “Roma, Cidade Aberta”. Já o Brasil, ao menor sinal de aperto, apostou na sacanagem. Isso diz muito sobre o caráter de cada povo, a forma como artisticamente ele se expressa nos momentos difíceis. Se existia demanda, os produtores entregavam, não podemos culpá-los.

A evolução, de certa forma, ainda não superou completamente esta juvenil obsessão do brasileiro pelo sexo na arte, como crítico, eu te garanto que boa parte dos curtas e longas exibidos em festivais, de cineastas novos, exibem sequências gratuitas de sexo. E, só para deixar claro, não há problema algum na utilização do sexo no cinema. Se a narrativa pede, como em Último Tango em Paris, faz todo sentido e pode ser filmado com extrema elegância. O problema é a utilização rasteira do sexo e da nudez (lógico, em filmes não-pornográficos), colocando atrizes em situações grosseiras, apenas para satisfazer a libido do diretor (e, por conseguinte, do público).

Quando falamos de cinema nacional, existe um “complexo de vira-lata”?

É uma questão muito interessante. O que ocorre é que os acadêmicos de cinema, faculdades e críticos veteranos, com raríssimas exceções, reverenciam Glauber Rocha e desprezam solenemente o cinema de gênero. Esta linha de pensamento forjada na inveja criou uma geração de inseguros que, por saberem que não são competentes, consideram mais fácil cuspir na cara de qualquer cineasta que não aprecie filmar por cinco minutos uma gota caindo, ou uma árvore de cabeça para baixo, em suma, aqueles projetos umbilicais insuportáveis que servem apenas como antídotos para insônia.

O típico cineasta acadêmico nacional quer criar uma indústria de cinema com filmes que nem a própria família dele suporta ver até o final! É tolice, amadorismo. A bilheteria do “arroz com feijão” gostoso é que sustenta os filmes autorais independentes nos Estados Unidos. Resumindo, a síndrome de vira-lata nasce dos acadêmicos e acaba contaminando o público. O brasileiro inteligente que ama e estuda cinema sabe que produzimos excelentes filmes, só que estes não são divulgados pelos personagens da novela. O que ele faz? Vai buscar estas obras nos festivais.

O melhor filme brasileiro de 2018 apontado pela Abraccine foi Arábia. O longa é pouquíssimo conhecido no Brasil e não esteve na lista dos pré-indicados ao Oscar. Por que?

Se você quer realmente encontrar honestidade intelectual, leia as listas individuais de críticos que você respeita. Eu falo por experiência própria. As reuniões que resultam nestas listas de associações são um circo de egos inflados, muitas das vezes com debates sobre quais filmes são mais “interessantes” (leia-se, não como parâmetro de qualidade cinematográfica, mas para os interesses do grupo, pela melhor manchete, etc.). Arábia é um filme (sendo bondoso) mediano, como quase todos os que se destacam em premiações como o Oscar (cerimônia que necessita de bons índices de audiência).

Entende? Não é uma escolha por mérito, logo, não há necessidade de racionalizar a sua presença na lista da Abraccine, ou em qualquer outra lista de grupos de críticos. Outro exemplo, Pantera Negra, uma bobagem divertida, competente, da Marvel, entrou na lista de 10 Melhores Filmes do Ano na ACCRJ. Como levar a sério associações que, dentre TODOS os filmes lançados no ano, em todas as nacionalidades e gêneros, selecionam um filme de super-heróis bobinho? A resposta é a mesma que explica a presença dele no Oscar: pura politicagem.

Por que os “melhores filmes”, apontados pelos críticos, normalmente são menos conhecidos do grande público? Isso demonstra uma força maior da Globo Filmes frente a outras produtoras?

OC: A força da Globo Filmes é impressionante, ainda que esteja perdendo este monopólio na opinião pública. O grande público não valoriza aquilo que não conhece. O brasileiro, em geral, não enxerga prazer no ato de se aprender coisas novas, logo, só “clica” em textos sobre filmes que conhece, por conseguinte, só prestigia filmes que são amplamente divulgados na mídia. Eu sou cineasta independente, existem muitos colegas talentosos que lutam para lançar suas produções, ficam dias em cartaz nas salas, o jogo é sujo e injusto. Eu tento, com o meu trabalho, desde 2008, divulgar nas críticas estes filmes brasileiros pouco vistos, os gêneros marginalizados (por pura ignorância do público e dos acadêmicos empoeirados), como a comédia e o terror.

O que falta ao cinema brasileiro para ser reconhecido como uma potência mundial na indústria?

OC: É muito complicado conquistar credibilidade na indústria sem coerência, sem incentivos, e, principalmente, sem formar um público criterioso e verdadeiramente interessado no tema. Uma potência mundial, creio, sinceramente, que será muito difícil até mesmo em longo prazo, mas é possível firmar uma indústria que caminhe ereta em sua própria nação. Atualmente, engatinhamos desajeitados. Mazzaroppi já dizia que não temos nem lâmpadas de qualidade nos sets de filmagem, tudo gambiarra, como podemos competir com quem sempre levou a sério esta arte?

E, vale destacar, não há mal algum em aplaudir os norte-americanos, eles merecem ser a potência mundial que são, temos é que aprender com eles, temos que nos profissionalizar. O caminho em curto prazo? Um bom primeiro passo é ter leis de incentivo eficientes que valorizem os cineastas independentes, que realmente precisam de ajuda, não ficar só enchendo os bolsos de artistas já publicamente reconhecidos, como moeda de troca política, como ocorria neste país nos últimos 15 anos. Sem maracutaia, sem o “jeitinho brasileiro”, com seriedade, conseguiremos evoluir.

Link para a matéria original do colega jornalista Henrique Schmidt: 

http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/cinema-brasileiro-da-chanchada-ao-cult/



Viva você também este sonho...

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