Críticas

“Prelúdio Para Matar”, de Dario Argento

Prelúdio Para Matar (Profondo Rosso – 1975)

Neste clássico giallo, o pianista inglês Marcus Daly (David Hemmings) é testemunha do brutal assassinato de uma famosa médium (Macha Méril), mas não é capaz de reconhecer o rosto do criminoso. Intrigado, ele decide investigar o crime com a ajuda da repórter Gianna Brezzi (Daria Nicolodi), mergulhando num submundo perigoso e correndo cada vez mais riscos a medida em que se aproximam da verdade pois são constantemente vigiados pelo misterioso assassino.

A minha relação com este filme é passional, passei boa parte da minha adolescência lendo sobre ele em revistas de cinema e guias de terror, fiquei instigado por um texto que afirmava que ele levou Hitchcock a elogiar publicamente o talento de Argento, mas, apesar de ter sido lançado em VHS por aqui, nunca consegui encontrar nas locadoras de vídeo. Eu deixava meus pais malucos porque, nestes casos emergenciais, pegava as páginas amarelas e ligava até para as lojas de outras cidades, apesar de não ter ideia de como viabilizar a viagem caso a resposta fosse positiva.

Somente em 2006, tive a oportunidade de realizar este sonho cinéfilo, graças à distribuição em DVD nas bancas de jornais, encartado na edição número oito da revista “Cine Monstro”. Na época, fiquei sabendo por um fórum de fãs de terror na internet, foi mágico, na madrugada em que li a postagem de alguém avisando desta pérola nas bancas, fui dormir ansioso, acordei cedo e fui direto para o jornaleiro mais próximo, perguntei afoito, olhando por sobre os ombros do profissional, lá estava, apenas uma, o plástico rasgado, mas o estojo intacto, aguardando por mim.

A sessão, no mesmo dia, foi tão prazerosa, que nem mesmo um erro grave de falta de legendas em trechos no idioma original prejudicou a experiência, já era fluente autodidata em inglês e entendia bem o italiano, mas, principalmente, queria MUITO ver o filme. Vivências como esta, várias no período pré-internet, fazem com que eu me entristeça toda vez que leio nos comentários das postagens os clássicos “tem na Netflix?” ou “quero tanto ver, mas onde encontro?” Hoje, fora as opções de streaming e seus sistemas de busca intuitivos, com uma rápida pesquisa pelo título no Google, acrescido da palavra “legendado” ou de “watch online“, você encontra praticamente tudo, basta o elemento essencial do real interesse, artigo em extinção neste país.

Após trabalhar com Ennio Morricone nas trilhas de sua Trilogia dos Animais, o diretor ousou algo bastante diferente, apostando no rock progressivo da jovem banda Goblin, intensificando sempre a teatralidade, opção coerente à estética onírica abraçada por Argento e seu colega no roteiro, Bernardino Zapponi, parceiro frequente de Fellini, e, perceba também como a arte é reverenciada a todo momento, começando pelo herói que é um pianista, passando pela utilização-chave das pinturas no mistério final (cujo conceito remete à “Blow Up”, de Antonioni, também protagonizado por Hemmings) até a forma como ele referencia claramente o bar do famoso quadro “Nighthawks”, de Edward Hopper, como a moldura surrealista de um diálogo importante no primeiro ato.

Não há interesse no realismo, o sangue é vermelho-vivo, os assassinatos são coreografados como um balé macabro, as interações por telefone são sempre inseridas em ambientes literalmente desconfortáveis, estabelecer simples contato humano é um desafio para os personagens, o exagero no todo é parte inerente dos gialli, advindos dos livros populares e baratos de capas amarelas (daí o nome: giallo), com histórias de suspense policial marcadas pela sensualidade e por assassinatos criativos, parecidos com os livros de bolso de faroeste que a garotada comprava nas bancas brasileiras com alguns trocados.

Vale destacar os efeitos visuais gore sempre competentes do mestre Carlo Rambaldi, inteligentemente apelando para dores muito identificáveis, como os dentes que se chocam com a pontuda quina de vários móveis, ou o rosto na água fervente, cenas que arrepiam qualquer pessoa.

Ao unir as convenções dos gialli com a pegada virulenta do terror, Argento criou uma obra-prima que segue inspirando cineastas no mundo todo.

Cotação:

Trilha sonora composta pela banda Goblin:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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