Críticas

“Os Imperdoáveis”, de Clint Eastwood, na HBO MAX

Os Imperdoáveis (Unforgiven – 1992)

Quando Delilah Fitzgerald (Anna Levine) é desfigurada, suas companheiras de bordel oferecem uma recompensa para quem encontrar os criminosos. O xerife (Gene Hackman) local não gosta nada da ideia, já que não permite vigilantismo em sua cidade. Dois grupos de pistoleiros, um liderado pelo ex-bandido William Munny (Clint Eastwood) e o outro pelo inglês Bob (Richard Harris), aparecem para receber o prêmio, entrando em conflito entre si e com o próprio xerife.

Clint Eastwood dedicou esta obra aos seus mentores Sergio Leone e Don Siegel, ele estava verdadeiramente inspirado. O brilhante roteiro de David Webb Peoples (de “Blade Runner”), escrito em 1976 com o título “The William Munny Killings” chegou às mãos do diretor no início da década de 80, mas ele estava ocupado com outras propostas, sentiu que aquele trabalho merecia total atenção, logo, engavetou aguardando o momento propício, que finalmente se apresentou após dois projetos comercialmente bastante arriscados, “Bird” e “Coração de Caçador”.

O leitmotiv do peso da impunidade, da injustiça, dá o tom já nas primeiras cenas, vemos que o acordo defendido pelo xerife, que, basicamente, reduz a honra da mulher ferida à alguns potros, garantindo alguma compensação financeira para seu patrão, mas absolutamente nada para a jovem, simplesmente não será aceito pelas suas colegas.

Enquanto isto, longe dali, o pistoleiro aposentado, pai viúvo de duas crianças, recusa o convite para a missão de vingança, mas, em seu interior, sente despertar o brio anestesiado após vários anos de serviços caseiros comuns, cansado de rastejar na lama dos porcos que cria, redescobre seu revólver, o peso da glória aventureira de outrora na mão, ainda que sua mira compreensivelmente falhe em acertar uma simples lata em média distância. É a breve chance que o destino oferece para que ele adormeça novamente seu caráter, o espectador é levado a crer que ele desistiu ao retornar visivelmente chateado para casa, mas Will apenas voltou para pegar sua espingarda, calibre 10, que utiliza para mandar a lata pelos ares.

Ao se barbear, diante do espelho em que reconhece finalmente seus traços originais, vislumbra no horizonte o túmulo da esposa, Claudia, aquela que, por amor sincero, modificou radicalmente sua essência, a única trava que resistia ao borbulhar de seu sangue, retirada lamentavelmente pela doença. Ele então deposita flores no local, presta reverência à memória do homem que ela amou, beija sua menina, instrui o rapaz, e, com alguma dificuldade, monta sua égua e promete retornar em duas semanas.

O que muitos textos à época celebravam como um faroeste revisionista, uma “carta de despedida” ao gênero, na realidade, reafirmava com coragem o valor de um tipo de gente cada vez mais raro, aquele que, apesar de imperfeito, enfrenta de peito aberto os problemas, em suma, encara o medo (e seus erros) de pé. Não é uma desconstrução em tom de crítica negativa, mas sim, um tributo emocionado de um competente pupilo aos seus mestres. Analisado hoje, parece até uma relíquia de museu, uma paisagem que apreciamos com muita saudade.

Em 2004, “Os Imperdoáveis” foi adicionado para preservação no Registro Nacional de Filmes da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, honra concedida para poucos e bons através das décadas, somando à coleção de prêmios e, mais importante, aplausos de público e crítica no mundo.

Cotação:

Trilha sonora composta por Clint Eastwood e Lennie Niehaus:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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  • Um grandioso filme, interpretação impecável dos principais atores, em seus respectivos papéis, em síntese, atitudes de homens de verdade, que hoje estão cada vez mais escassos, parafraseando "A era dos Homens, os de verdade, os que nada temiam, está acabando" Hoje predomina a era dos fracos, que qualquer palavras os machucam, que a verdade os aterrorizam, dos que se escondem, com medo de encarar a verdade...

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