Críticas

Crítica de “Superman”, de James Gunn

Superman (2025)

Superman (David Corenswet) embarca em uma jornada para reconciliar sua herança kryptoniana com sua criação humana.

A análise deste filme pode partir de três pontos argumentativos. O olhar do crítico levando em conta a proposta da obra, o olhar do fã estudioso de quadrinhos e o olhar do leigo que deseja apenas que a experiência faça valer o alto preço do ingresso.

Como fã estudioso de quadrinhos, reconheço que o filme presta óbvia reverência à era de prata, período em que as histórias eram intensamente bobinhas, estapafúrdias, objetivando manter a atenção do público infantil, até os 12 anos de idade.

Até mesmo a linguagem adotada evoca diretamente a estrutura leve das revistas da época, você é jogado no meio de uma situação, com linhas rápidas fornecendo uma contextualização rasa, personagens entram e saem sem compromisso com regras básicas de roteiro, tudo é exagerado, o importante é fazer com que a criancinha na frente da tela não tenha sua atenção desviada.

Quando o desenvolvimento se torna truncado, algo frequente (reflexo das várias modificações feitas mediante reações negativas em exibições-teste), basta mostrar o cãozinho Krypto (adorável, por sinal) fazendo alguma traquinagem, pronto, amolece o coração do público, tudo volta a fazer sentido. A própria presença do peludinho criado por Otto Binder e Curt Swan já evidencia o tom do projeto, e, sem exagero, ele é o único elemento que funciona plenamente nesta equação.

O filme decide alterar radicalmente um dos alicerces mais fortes do cânone do herói, a essência da figura do pai biológico alienígena, uma escolha ousada, mas que, levando em conta a ausência de explicações, acaba soando gratuita, até mesmo irresponsável, um deboche, assim como o viés de analogia política no conflito em que Superman se envolve, algo que abre margem para comparações (que já estão sendo feitas pela imprensa norte-americana) equivocadas, principalmente considerando que Jerry Siegel e Joe Shuster, os criadores do personagem, não apenas eram judeus, como também enxergavam o herói como uma alusão a Moisés.

Como alguém que deseja apenas se divertir por um par de horas, talvez só conheça superficialmente o personagem por uma versão ou outra ao longo da vida, provavelmente vai se assustar inicialmente com o ritmo acelerado e a pegada despretensiosa, nada solene, mas vai se encantar com o cãozinho.

Não há grandes barrigas ou momentos entediantes, o senso de humor característico do diretor se faz presente até nas cenas mais improváveis, logo, nada que comprometa o entretenimento imediatista. Se a sua expectativa é baixa e o ingresso representa escapismo ligeiro, o saldo será positivo. Se aprecia um produto mais refinado, mais maduro, há opções muito melhores nas salas atualmente, como o excelente “F1 – O Filme”.

Como crítico, levando em consideração a proposta, aí a coisa complica mais, não é justo afirmar que o filme é ruim, mas ele também não é muito bom. O elenco é esforçado, há carisma, ainda que o material aprisione todos ao traço reducionista da caricatura.

A realidade é que o estilo forte de James Gunn simplesmente não combina com a gravitas do herói mais importante da história dos quadrinhos. A intenção pode ter sido linda, há em seu cerne uma bonita mensagem sobre legado (aliás, o título deveria ter se mantido “Superman – Legado”, faria mais sentido), mas os arroubos criativos que Gunn herdou de sua origem na produtora Troma, de Lloyd Kaufman e Michael Herz, de pérolas trash como “O Vingador Tóxico” (1984), podem ter se adequado como luva na trilogia dos Guardiões da Galáxia, mas soam completamente inadequados no tratamento deste universo.

Ah, existe outro ponto argumentativo, mas ele é mais restrito, já que nem todo mundo conhece os bastidores do processo de divulgação de um filme. Como crítico profissional que sabe como funciona o jogo, sempre duvide de quando há um esforço massivo de marketing por trás de uma produção que “em teoria” está vendendo uma marca consolidada, principalmente se a equipe decide visitar o Brasil, aí é desespero puro. O influencer comprado que você segue não vai te dar esta informação…

Quando o filme se vende pela qualidade real, até os trailers são minimalistas. O caso triste é que no mundo atual, como já ficou provado, o que importa é o “sucesso” aparente, o público vai se decidir sobre o que pensa com base no que a máquina de propaganda está afirmando, a indústria infelizmente está se moldando neste direcionamento.

Uma escolha que inevitavelmente será negativa para o próprio futuro da indústria, uma espécie de autossabotagem consciente, formar um público desprovido de critérios para consumir e se satisfazer com produtos de baixa qualidade.

Trocando em miúdos, “Superman” é mediano, não irrita, mas também não cumpre seu potencial. No papel principal, David Corenswet, um bom ator, nem precisaria ser, já que o roteiro não exige muito neste sentido, a sua versão do herói é bastante confusa, apanha o tempo todo, está em desconstrução, em suma, a fórmula de praticamente todo símbolo forte da cultura ocidental que está sendo meticulosamente destruído nos últimos anos. Rachel Brosnahan, como Lois Lane, e Nicholas Hoult, como Lex Luthor, entregam versões competentes, mas esquecíveis, culpa novamente do roteiro.

Há duas cenas pós-créditos, a primeira é singela, curta e bonitinha, a segunda é uma grande bobagem, que ajuda a minimizar ainda mais o impacto emocional da obra.

Cotação:

  • O filme estreia nesta semana nas salas de cinema brasileiras.

Trailer:

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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