Críticas

“Audazes e Malditos”, de John Ford

Audazes e Malditos (Sergeant Rutledge – 1960)

Sargento negro da cavalaria americana, formada por antigos escravos, é acusado de eliminar o comandante e sua filha, e tenta provar sua inocência.

O estúdio queria Sidney Poitier, um ator extremamente competente, mas o diretor John Ford exigiu que o protagonista fosse vivido por Woody Strode. Alguns críticos da época evidenciaram a opção como equivocada, salientando a pouca desenvoltura dele em várias cenas, sem dúvida, um ator muito limitado. O que os críticos da época falharam em compreender, uma demonstração da lucidez criativa de um cineasta já no crepúsculo de sua carreira, é que o elemento mais importante era a imponência física de alguém que precisava provar seu caráter em uma sociedade predisposta a destruí-lo ao primeiro sinal de fraqueza.

Qualquer entonação calculada ou maneirismo estudado de um ator poderia minimizar a estranheza que a câmera buscava, como que se desse a ele uma aura mítica, que o colocasse em destaque. E percebemos a eficiência desta escolha analisando as cenas do tribunal, em que podemos enxergar os maneirismos teatrais no personagem de Jeffrey Hunter, o advogado de defesa, e, em maior intensidade, no alívio cômico representado pela interação constante entre o juiz, seu debochado colega de mesa e sua esposa. E, quando ele explode, na cena mais emocionante, em que ele se defende no tribunal, conseguimos sentir a pungência da angústia de um homem que sabia estar tendo sua melhor chance no cinema.

A grandeza mítica fica ainda mais evidente na tomada em que mostra os companheiros homenageando o personagem com uma canção, com o enquadramento, aliado à fotografia expressionista de Bert Glennon e a expressão no rosto de Strode, compondo uma figura heroica que é maior que seu ambiente, acima do mítico Velho Oeste. Filmes que abordavam a estupidez do racismo só viriam a se popularizar no final da década de sessenta, com “No Calor da Noite” e “Adivinhe Quem Vem Para Jantar”, ambos de 1967. Antes mesmo de “O Sol é Para Todos”, de 1962, John Ford atacava o tema com objetividade corajosa neste ótimo filme que merece maior reconhecimento.

O personagem negro da célebre obra protagonizada por Gregory Peck era mostrado como alguém passivo, que precisava ser defendido pelo homem branco, já o sargento negro de Ford, após encontrar a menina, foge da cena do crime, por saber, como o personagem afirma numa poderosa cena, que a sociedade não estava preparada para entender a inocência de um negro, ainda que ela fosse provada em julgamento. Um viés mais audacioso, que, mesmo conduzindo a um final feliz, é, em essência, pouco otimista.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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