Críticas

“Terrível Suspeita”, de Robert Wise

Terrível Suspeita (House on Telegraph Hill – 1951)

Victoria (Valentina Cortese) é uma judia que escapa de um campo de concentração nazista. Ela assume a identidade de uma mulher que fora eliminada e consegue entrar nos Estados Unidos. Em São Francisco, ela mantém sua verdadeira identidade em segredo, até se apaixonar por Alan (Richard Baseheart).

“Se você gostou de ‘Suspeita’, de Hitchcock, veja este filmaço!” Esta poderia ser a chamada de capa utilizada na época áurea do VHS. Sim, há uma cena, verdadeira aula de suspense, envolvendo um copo com suco, que homenageia diretamente um dos momentos mais lembrados da pérola hitchcockiana, mas a obra de Wise merece ser redescoberta também pelo corajoso tema que abraça, narrado em flashback, tocando na ferida exposta da consequência grotesca da segregação, o extermínio dos judeus, apenas 4 anos após a liberação dos campos nazistas.

Um ponto importante em sua simbologia, o campo utilizado na história, Bergen-Belsen, foi o mesmo em que a jovem Anne Frank foi eliminada. E, vale lembrar, considerando a atual situação mundial no ensaiado e desumano experimento de engenharia social, em que ditadores incubados já executam a segregação “sanitária”, a narrativa da época defendia que os judeus transmitiam doenças.

“Meu nome é Victoria Kowelska, e este era o meu lar. Era assim em 1939, quando meu marido voltou para casa de licença, e isto é o que sobrou depois que os alemães passaram. De uma só vez, perdi meu marido, minha casa, tudo o que eu amava. Eu me tornei uma das milhares de miseráveis criaturas jogadas em prisões e campos de concentração.”

O contexto inicial serve também como reforço ao leitmotiv da psicopatia que é revelado no terceiro ato, a trama, apesar de não se focar na questão da guerra, trabalha o elemento que possibilita que crimes contra a humanidade recebam o aval público, ou, como Hannah Arendt evidenciou em suas reflexões sobre a banalidade do mal, o câncer maligno no espírito que leva pessoas ao cumprimento de ordens injustas, ilógicas e danosas, a negação consciente da lucidez.

A já citada sequência envolvendo o copo de suco é uma analogia discreta ao mal extremo que pode se esconder nas mais belas intenções. Uma lição que, infelizmente, não foi aprendida.

* Você encontra o filme em DVD e, claro, garimpando na internet.

Octavio Caruso

Viva você também este sonho...

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